Falta de apetite, náuseas, diarreia... Vários sintomas podem surgir durante o tratamento do cancro. A associação aTTitude juntou especialistas em oncologia e nutrição e vários chefs e criou um livro que ajuda quem luta contra a doença. Após o diagnóstico de cancro e o início do tratamento, em particular a quimioterapia, é comum surgirem efeitos secundários ao nível da ingestão e utilização de alimentos e nutrientes.

Foi a pensar neste quadro que a aTTitude, associação de solidariedade social responsável pelo projeto Nutrição Oncológica, lançou o livro «Receitas Deliciosas para Doentes Oncológicos em Tratamento», publicado pela editora Sopa de Letras, com a assinatura de conceituados chefs nacionais. «Os tratamentos de quimioterapia podem gerar situações muito angustiantes», referem os autores.

«Muitas vezes, é complicado vencer os efeitos desses tratamentos, o que dificulta ainda mais a relação com a alimentação nessa fase», referem, na introdução do livro, os coautores Carlos Carvalho, médico oncologista da Fundação Champalimaud, e Ana Rita Lopes, coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas de Lisboa. «Nos últimos anos, têm sido divulgados muitos tipos de dietas ou alimentos que pretendem ajudar a curar o cancro», dizem.

«Este livro não pretende oferecer esse tipo de resposta. Com efeito, o cancro é uma doença tão variada que se torna impossível encontrar uma fórmula capaz de responder às particularidades de cada tipo de tumor, de cada tratamento e, sobretudo, de cada doente», explicam ainda os responsáveis pela obra.

Para além das receitas, o livro reúne recomendações alimentares muito úteis para quem está em tratamento que devem ser adaptadas à «tolerância do doente, à presença de outros sintomas e a recomendações médicas específicas». Veja a lista dos seis alimentos que quem está a fazer quimioterapia deve ingerir.

Comer várias vezes ao dia

É «importante não forçar demasiado a ingestão alimentar e não cumprir nenhum horário rígido de refeições», lê-se no livro. Isto porque, sobretudo nos primeiros dias após a quimioterapia, a falta de apetite e o enjoo podem ser muito intensos. O melhor é optar por comer em pequenas quantidades, mas várias vezes ao dia.

Há doentes oncológicos que têm dificuldade em mastigar, o que pode aumentar a náusea e repugnância. Mas mastigar bem é importante. Nestes casos, os autores do livro aconselham a «escolher alimentos com sabores menos intensos ou que sejam líquidos ou pastosos».

Alimentação variada

É comum os doentes oncológicos serem menos tolerantes a alguns alimentos. «É muito importante tentar respeitar o apetite, o gosto e a tolerância individuais, evitando forçar o doente a comer de determinada forma ou a preferir certos alimentos», lê-se. O ideal é substituir alguns dos alimentos menos tolerados por outros que, nutricionalmente, sejam mais ou menos equivalentes.

Por exemplo, substituir a carne por ovos ou peixe.  Devido aos tratamentos, muitos doentes têm períodos mais ou menos longos com falta de apetite, enjoos ou outros sintomas, reduzindo a quantidade necessária de calorias e nutrientes. Se não existirem razões médicas específicas, é desnecessário restringir alimentos com gordura ou sal, pois podem ser importantes como fonte de energia.

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As melhores soluções para cada um dos problemas mais comuns

Estas são algumas das consequências dos tratamentos de quimioterapia que uma alimentação (mais) saudável pode ajudar a atenuar:

- Falta de apetite

É comum durante os períodos de quimioterapia, mantendo-se, habitualmente, por poucos dias. Nalguns doentes, pode prolongar-se por mais tempo, sobretudo quando se «associam sintomas mais persistentes resultantes da própria doença». Deve-se, por isso, escolher alimentos que sejam mais bem tolerados ou que sabem melhor; comer sempre que se tenha fome, mesmo que fora do horário habitual.

Ter sempre consigo bolachas torradas, barras de cereais ou iogurte e consumir gelados, batidos ou frutos, embora o volume seja reduzido têm maior densidade calórica e proteica, são outras das recomendações, tal como ingerir menos líquidos (para evitar enfartamento) ou fazê-lo 30 minutos antes ou depois da refeição. Se não se conseguir comer sólidos, deve optar por alimentos moles, pastosos ou líquidos.

- Náuseas e vómitos

A maioria dos doentes recupera rapidamente.  É habitual o médico prescrever medicação específica para prevenir ou minimizar as náuseas e os vómitos. Devem fazer-se pequenas refeições ao longo do dia, sem horário rígido, evitando estar longos períodos sem comer, além de preferir alimentos frescos ou à temperatura ambiente.

Outra recomendação passa por evitar alimentos condimentados, com molhos, especiarias intensas ou picantes, além de evitar fritos, gorduras, muitos doces e salgados. Preferir alimentos secos, como bolachas, torradas, cereais ou pão é outra das soluções.

Para combater náuseas e vómitos, deve ingerir líquidos em pequenas quantidades, ao longo do dia. Os especialistas sugerem ainda que não deve forçar demasiado a ingestão de alimentos, mesmo os favoritos, além de evitar bebidas ou alimentos quentes, caso o cheiro agrave a náusea.

- Diarreia

Alguns medicamentos usados na quimioterapia provocam alterações na mucosa e flora intestinal, tendo como efeito secundário a diarreia, regra geral, transitória. Se for mais intensa, pode «provocar desidratação e desequilíbrios nos sais minerais », referem os autores do livro.

Deve, por isso, fazer-se refeições ligeiras, várias vezes ao dia. Beber cerca de oito copos de água (1,5 litros) ou infusões e ingerir gelatinas ou águas gelificadas pode ajudar  a repor a perda de líquidos. Deve também preferir os frutos cozidos ou assados sem casca, em vez de crus.

Evitar cereais e pão integrais, vegetais crus, leguminosas  e legumes verdes, como espinafres, brócolos ou nabiças e restringir o consumo de lactose (preferir leite sem lactose ou bebida de arroz), gorduras, alimentos processados ou pré-confecionados são outras das recomendações, a par do álcool e dos doces.

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- Obstipação

Pode estar associada à doença ou ser um efeito secundário dos medicamentos, «por isso, é importante que cada doente oncológico se aconselhe sempre com o seu médico». Alterações alimentares que, à partida, poderiam ajudar, não são desejáveis em determinados casos. «Por exemplo, o consumo de fibras pode ser prejudicial quando existe inflamação ou obstrução do intestino», sublinham os autores do livro.

Deve aumentar-se a ingestão de líquidos (8 a 10 copos por dia). Se não houver náuseas, ingerir bebidas quentes para estimular movimentos intestinais ajuda, tal como consumir diariamente um iogurte com bifidus. Se não existir inflamação ou obstrução do intestino, ingerir alimentos ricos em fibras (legumes, cereais integrais, fruta, vegetais, sementes, oleaginosos, leguminosas) é outra das recomendações.

- Inflamação da boca e garganta

A quimioterapia e a radioterapia podem causar inflamação na mucosa da cavidade bucal e da garganta. Quando acontece, o doente pode sentir dificuldade em ingerir os alimentos. Deve, por isso, evitar alimentos duros, crus, estaladiços ou de difícil mastigação, como tostas, torradas, barras de cereais ou vegetais crus, assim como evitar alimentos secos ou ásperos (frutos secos, batatas fritas e torradas, por exemplo).

A lista de condicionantes inclui ainda os salgados e condimentados. Evitar ingerir sumos de frutas cítricas ou ácidas (laranja, maracujá e abacaxi), evitar bebidas alcoólicas ou gasosas e preferir alimentos suaves e à temperatura ambiente, além de ingerir alimentos fáceis de engolir, como banana, queijo fresco, puré, pudins, gelatinas e beber pequenos goles de água ou sumo, são outras recomendações.

- Alterações do paladar e do olfato

Os medicamentos utilizados na quimioterapia podem causar alterações no paladar diminuindo ou alterando o sabor dos alimentos (sabores metálicos ou azedos). Também pode haver diminuição da sensação do aroma natural dos alimentos ou intolerância a cheiros mais intensos.  Deve preferir sabores frutados e salgados e alimentos frescos ou à temperatura ambiente.

Aumentar a ingestão de líquidos ao longo do dia, mastigar rebuçados ou pastilhas sem açúcar antes das refeições e condimentar mais as refeições, utilizando cebola, alho, salsa, cebolinho, coentros, manjericão, tomilho, frutas cítricas ou vinagre, são noutras das sugestões. Marinar as carnes em sumos de frutos ou vinho doce e humedecer os alimentos com molhos e cremes também é aconselhado.

- Boca seca

Alguns medicamentos, e em especial a radioterapia sobre a cavidade bucal, podem causar xerostomia (boca seca), «devido a uma menor produção de saliva ou a alteração da sua composição».  Deve-se, então, ingerir cerca de oito copos de água ou infusões sem açúcar por dia; fazer refeições mais vezes mas mais ligeiras.

O especialistas recomendam, ainda a ingestão de líquidos em pequenas quantidades às refeições para facilitar a deglutição, assim como degustar cubos de gelo ou gelo picado, rebuçados, gelados de fruta ou pastilhas elásticas de mentol sem açúcar. Deve também preferir alimentos à temperatura ambiente e evitar alimentos muito picantes, ásperos, demasiado secos, bebidas alcoólicas e com cafeína.

Veja na página seguinte: Posso consumir estes alimentos se tiver cancro?

- Desidratação

A ingestão de líquidos é importante para a hidratação do organismo. Durante os tratamentos, os doentes oncológicos podem apresentar sintomas ou efeitos secundários, como enjoos, vómitos ou diarreia, que dificultam a manutenção de uma boa hidratação. Nestes casos, o melhor é ingerir líquidos frequentemente mas em menor quantidade para evitar os enjoos.

Para reforçar a hidratação, deve também consumir gelatinas ou águas gelificadas e ingerir tisanas, chás ou sumos com sabores, nos casos em que a água possa parecer ter o gosto alterado.

Posso consumir estes alimentos se tiver cancro?

Durante os tratamentos, há alimentos que são preferíveis e outros cujo consumo não é o ideal. Mas a sua ingestão não é proibida. Estes são os ingredientes a evitar:

- Açúcar

«Não há nenhuma vantagem em evitar uma quantidade equilibrada de alimentos variados, incluindo alguns doces ou alimentos ricos em açúcar», referem os especialistas.

- Carnes vermelhas

Pode ingerir até 150 gramas, três vezes por semana. Permite fornecer proteína, ferro e iodo ao organismo.

- Álcool

Se não houver contraindicação médica, pode ser consumido mas em pouca quantidade. Por exemplo, meio copo de vinho por dia, o que corresponde  a cerca de 100 ml).

Suplementos alimentares

Nos períodos de tratamento, devido aos vómitos, enjoos ou diarreia, os doentes oncológicos têm mais dificuldade em manter uma alimentação equilibrada, não adquirindo todos os nutrientes necessários. Nesta altura, os suplementos alimentares podem ser recomendados pelo médico ou pelo nutricionista que acompanha o caso. No que se refere a vantagens, têm uma ação de «complementar a alimentação natural com produtos que podem ser mais fáceis de ingerir».

Na maior parte dos casos, «são recomendados suplementos alimentares completos, que fornecem um conjunto equilibrado de calorias, proteínas e outros nutrientes, como vitaminas e sais minerais». Devem tomar-se «em pequenas quantidades e, se o doente preferir, pode modificá-los ou misturá-los para os tornar mais agradáveis ao seu gosto».

Texto adaptado a partir do livro «Receitas Deliciosas para Doentes Oncológicos em Tratamento» da Coleção aTTitude, publicado pela editora Sopa de Letras, com revisão científica de Ana Rita Lopes (coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas Lisboa) e Carlos Carvalho (médico oncologista da Fundação Champalimaud)