Vai ficar surpreendido. O aumento da ingestão de gordura saturada, fornecida por alimentos como ovos, laticínios gordos e carne de vaca, não contribui para o aumento dos seus níveis no sangue, no contexto de um baixo consumo de hidratos de carbono, defende um estudo conduzido por investigadores da Ohio State University nos EUA e divulgado no jornal científico Plos One. Em entrevista ao Medical Daily, Jeff Volek, investigador envolvido no estudo, afirmou que «a questão principal é que não acumulamos necessariamente a gordura saturada que ingerimos. E o primeiro regulador daquilo que acumulamos, em termos de gordura, são os hidratos de carbono que ingerimos», refere.

A investigação, financiada pelos Dairy Research Institute, National Cattlemen’s Beef Association e o Egg Nutrition Center, conclui que aumentar o consumo de hidratos de carbono «promove aumentos incrementais de ácido palmitoleico, um biomarcador consistentemente associado com efeitos nefastos para a saúde» e que pode indicar um mau «funcionamento do metabolismo de hidratos de carbono, mesmo sob condições negativas de equilíbrio energético e com significativa perda de peso. Estas descobertas contradizem a perspetiva de que, só por si, a gordura saturada é nefasta e sublinha a importância de se ter em conta a quantidade de hidratos de carbono que acompanha o consumo de gordura saturada», lê-se no Plos One.

O porquê da investigação

Não é por acaso que os investigadores estão focados na ação da gordura saturada e da sua relação com os hidratos de carbono, explica Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia. «Nos EUA, houve um grande combate às gorduras saturadas, pela American Heart Association, mas posteriormente constatou-se que, apesar da sua redução na alimentação, a obesidade continuou a aumentar na sociedade americana devido ao consumo de hidratos de carbono». Uma das razões pode estar no tipo de hidratos de carbono. Tal como no grupo das gorduras, também estes podem ser divididos entre bons e maus. Todos são convertidos em açúcar pelo organismo, a diferença está na rapidez com que são absorvidos.

«Os hidratos de carbono refinados [pão, massa e arroz brancos, por exemplo] entram no sangue a grande velocidade e originam picos elevados de glicemia, que fazem mal à saúde, favorecendo a aterosclerose, o enfarte do miocárdio, a diabetes, entre outras patologias. São absorvidos muito rapidamente e o pâncreas não tem tempo  de metabolizar a carga de açúcar recebida», explica.  Mas, por outro lado, os hidratos de carbono complexos são benéficos.  Este grupo inclui alimentos não refinados como o pão integral, o arroz selvagem e ricos em fibra que são absorvidos lentamente pelo organismo.

Afinal o que é que devemos comer?

Segundo Manuel Carrageta, o estudo da Ohio State University «aponta para o facto de não se poder substituir cegamente a gordura saturada por hidratos de carbono.  No entanto, para além de ter uma duração curta e uma amostra reduzida, não indica que tipo de hidratos de carbono foi consumido», o que influencia os efeitos para a saúde. Em estudos anteriores, «criticou-se o facto das pessoas substituírem a gordura por hidratos de carbono refinados que fazem mal à saúde». Mas também não fará sentido eliminar os hidratos de carbono para se poder comer alimentos ricos em gorduras. A regra é simples. «Temos de comer boas gorduras e bons hidratos de carbono. A alimentação deve ser variada, incluir mais alimentos saudáveis e menos alimentos pouco saudáveis», diz.

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Como compor o prato

«Nenhum alimento é proibido. Só depende das quantidades. A moderação é a atitude mais correta», afirma Manuel Carrageta. Em vez de eliminar os hidratos da dieta, pode «aumentar o consumo de vegetais, sobretudo de hortaliças e incluir apenas uma dose de hidratos de carbono, ou seja, uma fatia de pão ou o equivalente em arroz, massa ou batata», descreve o médico. E nem todos devem consumi-los de igual forma. Como alerta o cardiologista, «se há casos de diabetes na família, síndrome metabólico ou tendência para acumular gordura abdominal deve-se ter especial cuidado com os hidratos de carbono». O mesmo se aplica às mulheres na menopausa que, devido à tendência para acumular gordura visceral, devem reduzir a ingestão de hidratos de carbono.

O método do estudo

Na investigação, que durou 18 semanas, participaram 16 pessoas, entre os 30 e os 66 anos. Todos tinham síndrome metabólica, o que significa que tinham pelo menos três fatores de risco para diabetes e doença cardiovascular, como hipertensão, excesso de gordura abdominal, níveis baixos de bom colesterol, resistência à insulina ou triglicéridos elevados. «Os participantes seguiram inicialmente uma dieta baixa em hidratos de carbono e, gradualmente, foram transitando para uma dieta rica em hidratos de carbono, ao longo de seis fases, durante as quais o nível de gordura saturada foi sendo reduzido». Foram feitas análises sanguíneas em cada fase para o controlo da gordura saturada e de outros marcadores sanguíneos.

Texto: Manuela Vasconcelos com Manuel Carrageta (médico cardiologista e presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia)