Quando se junta a ciência à gastronomia e os melhores ingredientes a muita imaginação o resultado só pode ser uma cozinha surpreendente. Já ouviu falar de gastronomia molecular?

De pratos que usam ingredientes como o azoto liquido, de spaghetti sólido feito a partir de elementos líquidos, de caviares de vários sabores e de cozeduras a vácuo? É disso mesmo que lhe vamos falar e desengane-se se pensa que esta cozinha é pouco natural. Afinal de contas os átomos e as moléculas estão presentes em todas as matérias e os alimentos não são excepção.

Ciência alimentar

«A gastronomia molecular é um ramo da ciência dos alimentos e tem como objectivo analisar do ponto de vista científico os fenómenos que ocorrem quando se cozinha», afirma Paulina Mata, química e membro do núcleo que estuda esta tipo de gastronomia em Portugal (premiado nas duas edições do concurso Rencontres Sciences, Art&Cuisine).

Aqui tudo conta, desde os ingredientes crus, passando pela sua preparação e terminando na forma como são apreciados pelo consumidor. Foi este o ponto de partida do húngaro Nicholas Kurti, professor em Oxford, e do francês Hervé This, físico-químico, que no início da década de 80 deram origem a esta ciência.

Testaram receitas de vários países e desfizeram alguns mitos da culinária, como a necessidade de adicionar sal aos legumes para que estes mantivessem a cor original.

Técnica e criatividade

Transpor o método de trabalho científico para a cozinha permitiu, por exemplo, apontar com exactidão o ponto de cozedura do ovo (que é atingido quando o seu interior chega aos 68 graus, temperatura alcançada ao fim de dez minutos) e do peixe, situado entre os 52 e os 54 graus, e que a diferença de um grau é suficiente para criar três texturas diferentes: mal passado, no ponto ou demasiado passado.

Muitos cozinheiros têm sido conquistados por estes novos conhecimentos que, segundo a investigadora portuguesa Paulina Mata, «permitem preparar pratos tradicionais com a qualidade optimizada, introduzir novas técnicas, como a cozinha a vácuo (método normalmente usado para desidratar amostras em laboratório) ou a baixas temperaturas, e usar ingredientes menos comuns, como os agentes gelificantes, espessantes e corantes de origem natural e o azoto líquido».

Experiências laboratoriais

São dois os nomes incontornáveis nesta cozinha de vanguarda: Ferran Adrià e Heston Blumenthal, chefs e proprietários dos restaurantes El Bulli na Catalunha e Fat Duck em Londres, respectivamente. Ambos confirmam que a criatividade que lhes é reconhecida fica, sobretudo, a dever-se aos conhecimentos de Física e Química que têm vindo a desenvolver nas suas cozinhas, autênticos laboratórios onde trabalham dezenas de pessoas.

Blumenthal, por exemplo, descodificou os elementos químicos presentes no chocolate e no caviar e concluiu que eram muito semelhantes, possibilitando uma junção harmoniosa de dois ingredientes que pareciam opostos.

Veja na página seguinte: O que já se faz em Portugal nesta área

Especialistas nacionais

Em Portugal, Luís Baena é o chef que mais se tem destacado no recurso à ciência. «Querer perceber como é que tudo funcionava», foi o mote para este cozinheiro se interessar pela gastronomia molecular.

«Comecei a ver que não havia explicações para muitas das regras de cozinha e isso intrigava-me. Por exemplo, ninguém conseguiu dizer-me porque é que se mergulhava o polvo três vezes na água da cozedura», lembra.

Os amigos que tem na área da Química foram os seus maiores aliados e é com eles que vai levantando questões e rasgando novos horizontes. Salada mista em forma de caviar, espuma de caldo verde e o gelado de azoto líquido (de textura cremosa e sabor mais intenso) são apenas três exemplos de pratos de sucesso que desenvolveu com base nos conhecimentos científicos.

Onde experimentar

Actualmente, Luís Baena é o chef executivo dos hotéis Tivoli, onde promete o mesmo «rigor científico», mas as grandes surpresas estão preparadas para um novo restaurante, Lab, com inauguração prevista para breve e que pretende ser o mais vanguardista do território português.

O chef José Avillez, que este Verão fez um estágio no emblemático restaurante El Bulli, também aplica técnicas científicas nas suas receitas: «Já desenvolvi alguns projectos e, sem exageros, vou introduzindo algumas novidades», refere.

«Estou a seguir uma cozinha de investigação e vanguarda», assegura. Contudo, não é preciso ser-se profissional para experimentar a cozinha molecular e melhorar a prática culinária.

«Algumas das inovações introduzidas podem mesmo ser praticadas em casa, como é o caso do uso de gelificantes ou emulsionantes. Outras não porque requerem equipamento muito caro ou condições especiais de utilização e armazenamento», esclarece Paulina Mata.

Faça você mesma:
Chantilly de chocolate

Paulina Mata, química, revela-nos uma receita do percursor da gastronomia molecular: «Um dia ao fazer chantilly, Hervé This pensou na composição das natas e nos processos que estavam a ocorrer e considerou que se conseguisse outra mistura com características semelhantes obteria algo idêntico».

Ele usou o chocolate e atingiu o objectivo, agora é a sua vez:

    1. Junte, num tacho, 200 ml de água (ou sumo de fruta ou chá) e 225g a 250g de chocolate em pedaços.

    2. Leve ao lume, mexendo até o chocolate derreter completamente e ficar bem misturado com a água.

    3. Deite água e gelo numa tigela grande. No seu interior coloque outra taça com a mistura de chocolate e bata bem. Pare de bater um pouco antes de ter obtido a consistência desejada, pois a espuma ainda ficará um pouco mais espessa.

    Veja na página seguinte: Onde provar gastronomia molecular

    Dica

    Para provar a cozinha que segue os princípios da gastronomia molecular, Luís Baena aconselha a visita a três restaurantes: Pragma no Casino de Lisboa, Panorama no Hotel Sheraton de Lisboa e 100 Maneiras, em Cascais.

    Sabia que...
    O Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, realiza seminários teórico-práticos sobre Gastronomia Molecular destinados a profissionais, investigadores e público em geral. Contacto: 213 653 551.

    Texto: Rita Caetano com José Avillez (chef), Luís Baena (chef) e Paulina Mata (química)