Cada euro investido na promoção do exercício físico tem, segundo estudos e cálculos que foram feitos internacionalmente, um retorno de sete euros em termos futuros.

No entanto, apesar dos benefícios do desporto para a saúde, nem todos os indivíduos estão psicologicamente aptos a praticá-lo, não encontrando fatores motivacionais que os impelem a mexer-se.

Evidenciar os métodos disponíveis para avaliar a motivação psicológica das pessoas antes de iniciarem a prática do exercício físico e perceber se uma pessoa está efetivamente em condições para realizar todo e qualquer tipo de exercício são duas das áreas de interesse de António Palmeira, investigador na área da obesidade pediátrica, que, em entrevista à Prevenir, analisa o panorama atual e aponta caminhos.

Existem médicos que defendem ser necessário, para além de uma avaliação física, avaliar também se uma pessoa esta psicologicamente preparada para iniciar a pratica de exercício físico. Quais são as caraterísticas que um indivíduo tem de ter para estar psicologicamente preparado?

Não se conhecem perfis psicológicos que possam ser indicadores de que uma pessoa está mais ou menos preparada para o exercício. Obviamente que se excluem aqui as situações de psicopatologia mais graves mas, por exemplo, mesmo em situações de depressão major (grave), existem estudos que mostram o exercício pode curar a sua depressão.

A única verdade conhecida é que o exercício promove tantos benefícios a nível psicológico que mesmo uma pessoa que possa iniciar a prática de exercício menos bem motivada tende a tornar-se muito mais saudável psicologicamente (e fisicamente), conseguindo assim aproveitar todas as vantagens que se conhecem da prática regular de exercício.

Como é que se avalia se uma pessoa está preparada psicologicamente para a prática de exercício físico?

Como referido na resposta anterior, efetivamente não se conhecem indicadores psicológicos de preparação para a prática de exercício físico. O que se conhecem são formas de avaliar como é que a pessoa responde psicologicamente à prática de exercício. Essa é uma das especialidades de Paddy Ekkekakis, da University Iowa State, que será um dos palestrantes do Practice 2012 [congresso que decorre nos dias 27 a 28 de outubro de 2012, no Auditório Agostinho da Silva da Universidade Lusófona, em Lisboa ]. Este investigador percebeu que não é apenas importante perceber se o exercício é sentido pelas pessoas como muito ou pouco intenso.

É igualmente importante perceber se o exercício as fez sentir bem ou menos bem. Quando as pessoas respondem que estão a gostar do exercício, percebemos que este terá uma maior probabilidade de ser continuado. Se, pelo contrário, a pessoa indica que determinado exercício a fez sentir menos bem, temos um bom indicador que aquele exercício terá uma menor probabilidade de ser continuado. Esta avaliação é muito simples de fazer e o Paddy Ekkekakis vai explicar como pode ser executada.

Estar preparado psicologicamente para a prática regular de exercício físico é apenas uma questão de motivação?

A motivação é um dos aspectos mais importantes, sem dúvida. Temos diversos trabalhos que serão apresentados no Practice 2012 que falam exactamente destas questões da motivação.

Por exemplo, será que treinar com um treinador personalizado pode levar a tipos de motivação menos desejáveis ou será que podemos intervir junto das pessoas para que fiquem bem motivadas para o exercício?

Reparem que não é muito ou pouco motivado que interessa mas, sim, bem ou mal motivada. Outros aspetos importantes são o bem-estar psicológico que as pessoas referem sentir depois da prática, o efeito de redução da ansiedade, as melhorias na auto-estima e imagem corporal, as melhorias no sono, e muitos outros benefícios.

Mais de metade dos portugueses não pratica qualquer desporto ou atividade física, de acordo com vários estudos. Não estão preparados psicologicamente preparados para o fazer ou a razão para esses valores são outros?

As razões serão certamente multidimensionais. As pessoas pesam os prós e contras de fazer algo antes de tomarem uma decisão. Esses prós e contras, no exercício, são muito interessantes, pois parece que todos, mesmo os que fazem exercício, referem os mesmos contras, com a mesma intensidade. O que parece ser interessante é que os prós, para os que fazem exercício, são mais intensos, têm um significado pessoal importante, seja para a saúde, seja para o bem-estar, seja porque sentem um gozo e interesse em fazer exercício. Estes aspetos são trabalhados por um conjunto de investigadores em todo o mundo, baseando-se num conjunto de princípios que se organizam na teoria da auto-determinação.

Existem diferenças de preparação e de mentalização psicológica no que se refere aos dois sexos?

No que diz respeito ao exercício, parece que um dos factores que origina mais motivação para a prática nas mulheres são as questões de imagem corporal. Mas repare que eu referi mais motivação e não melhor motivação. E é importante que se perceba se a imagem corporal não pode estar a levar as mulheres para tipos de motivação que não são nada interessantes para a continuidade e uma vivência salutar da prática de exercício.

Nos homens, a imagem corporal parece estar a ser cada vez mais importante. Mas há outros fatores que parecem estar a ser, cada vez mais considerados, para que estes se motivem para a prática de exercício: é o caso dos aspetos funcionais (se conseguem manter-se ativos e manter algum desempenho desportivo) e dos motivos associados à saúde, seja porque já tiveram um episódio de doença ou porque querem reduzir a possibilidade de esses episódios acontecerem. Todos estes aspetos carecem de uma avaliação cuidada.

E no que se refere a idades? As novas gerações têm uma maior predisposição para a prática desportiva ou, como já não brinca(ra)m tanto na rua e passa(ra)m mais horas a ver televisão, a preparação psicológica é inferior?

As idades mais jovens tendem a ter um conjunto de motivos e uma qualidade de motivação mais interessante para a continuidade da prática. Os jovens fazem exercício porque sentem prazer.

Querem fazer melhor e integram-se em equipas. Eles correm por gosto, e por isso, tal como diz o ditado, não cansam.

No entanto, hoje em dia, existem muitas outras coisas que são muito prazenteiras, como as recreações com ecrãs, que competem com o exercício para ocupar os tempos-livres dos jovens. Parece, assim, essencial fazer com que os jovens não percam a sua motivação intrínseca (o tal gozo, prazer e interesse pela prática) para fazerem exercício.

Além da análise psicológica, deve haver uma avaliação médica antes da prática de exercício físico, já que há atividades e movimentos que pessoas com patologias ou simples problema, como dores lombares, não devem fazer. Quais são os principais riscos que as pessoas correm se não a fizerem?

Sem dúvida que qualquer prática de exercício deve ser precedida de uma avaliação cuidada. O tema do Practice 2012, avaliação na terapia com o exercício, irá centrar-se exactamente sobre esses aspectos. É essencial que os profissionais que trabalham com o exercício como terapia conheçam as formas de avaliar correctamente a pessoa que lhes pediu ajuda para fazer exercício. E essa avaliação é multidimensional. Vai desde os aspetos fisiológicos aos psicológicos e procura despistar imensas situações que podem condicionar a prática de exercício.

No entanto, e tal como referiu um dos investigadores desta área mais conhecidos, ainda está para descobrir uma patologia para a qual o exercício, desde que feito correctamente, seja contra-indicado ou possa fazer mal. Por isso, o maior risco que as pessoas podem ter é não fazer exercício correctamente prescrito por um profissional.

Se tivesse de definir políticas para aumentar o grau de atividade física dos portugueses, o que é que defenderia?

Estima-se que cada euro investido na promoção do exercício tem um retorno de sete euros no futuro.

Nada tem um retorno tão elevado, por isso é estranho que se continue a investir em situações de tratamento (que obviamente não podem ser descuradas), sem que se invista paralelamente ao nível da prevenção.

É pura e simplesmente uma má decisão de investimento.

Sabe-se que existem elementos-chave para a promoção da prática de exercício físico nas populações. Um dos aspectos mais importantes é levar-lhes a mensagem de forma eficaz e, para tal, é necessário investir em boas campanhas publicitárias promotoras do exercício. E, são os grupos que se sabem fazer menos exercício (mulheres, pessoas com menor grau de escolaridade e estratos sociais mais velhos) que deviam ser objeto específico destas campanhas.

Penso que já existem instalações e condições que permitem esta prática. O necessário é torna-las mais acessíveis não tanto em termos financeiros mas sim, criando tempo e dinâmicas que potenciassem as suas utilizações. Deixo só um exemplo muito interessante do Reino Unido, onde começaram a ter grupos de exercício associados aos clubes de futebol. A identificação com estes clubes fez com que muitos homens começassem a fazer exercício mais regular, pois não queriam defraudar as expectativas do seu Liverpool ou Manchester United. Ideias não faltam, vontade política é que é mais complicado.