O aumento exponencial da população nas últimas e nas próximas décadas obriga a novas soluções nutricionais para conseguir nutrir um número crescente de bocas. A Saber Viver falou com o jornalista e autor norte-americano Michael Pollan e com Mark Post, cientista holandês que criou o hambúrguer in vitro sobre a crescente preocupação com o desafio de alimentar 9 mil milhões de pessoas em 2050. Ambos têm visões distintas dos problemas que enfrentamos e oferecem soluções igualmente díspares. Ainda assim, partilham de uma crença comum. O consumo de carne vai ter de obedecer a um novo paradigma...

Mark Post, como é que há tantos problemas relacionados com a seguança alimentar?

Há muitos fatores que ameaçam a segurança alimentar. A gestão do desperdício, a distribuição, a situação económica dos países, a sua estabilidade política... O aumento da riqueza e um número crescente da população indicam que teremos de intensificar a produção, a fim de manter a mesma segurança alimentar que temos agora, que não é perfeita. É por isso que estão a ser desenvolvidas tantas tecnologias.

Além de outras vias, que procuram maneiras de aumentar as terras aráveis do mundo. Há oportunidades em África. Muitas tecnologias que estão a ser desenvolvidas dão-me esperança de que vamos alcançar uma segurança alimentar melhor nos próximos 10 anos. Este é, provavelmente, um dos maiores desafios que é concretizável num espaço de tempo razoável.

Porque é que ainda não é uma realidade? Há tantas pessoas a morrer à fome...

Parte do problema é que os inovadores não tinham um prazo em mente. Agora, em Silicon Valley, os novos Bill Gates estão preocupados com a segurança alimentar. Há 10 anos estavam preocupados com a educação. Por isso, está a mudar. Se as pessoas que têm muito dinheiro se concentrarem na resolução deste problema, será muito mais rápido.

Em 2050 a agricultura biológica ainda existirá?

Honestamente, se a tecnologia de carne in vitro tiver aceitação e cumprir a promessa, a agricultura biológica terá dificuldade em continuar a existir. Do meu ponto de vista, a carne de vaca clonada zela melhor pelo bem-estar dos animais do que a agricultura biológica tradicional.  Até o hambúrguer in vitro chegar ao mercado, seria fantástico se houvesse maior transparência na produção da carne. A indústria da carne tem práticas com as quais nós podemos não concordar.

Podemos querer deixar de pagar por este produto, pelo menos até os responsáveis mudarem a estratégia de produção. Mas nós, enquanto consumidores, temos de estar preparados para vir a pagar mais por um produto que não foi produzido em massa. Há uma interação entre a sociedade e os produtores. Ambos têm de contribuir de alguma forma.

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Michael Pollan, porque é que os atuais 7 mil milhões de habitantes do planeta terra não têm o mesmo acesso à comida?

Há uma enorme abundância de alimentos, suficiente para todos. Cultivamos uma quantidade de alimentos capaz de proporcionar 4.000 calorias a cada pessoa, por dia, no mundo todo. Nós só precisamos de 2.000 calorias. Para onde vão as restantes calorias? Cerca de 30% são usadas como biocombustíveis, para alimentar o nosso carro. E 40% nunca chegam à boca humana, porque desperdiçamos comida. Entre 30 e 40% servem para alimentar os animais.

É uma transformação muito ineficaz, porque temos que dar cinco quilos de cereais a uma vaca para obtermos 500 gramas de carne. Os ricos comem tanta carne que há menos cereais disponíveis para os pobres. Eu acho que a solução não passa por aumentar a produtividade agrícola. É preciso dividir o bolo dos alimentos que agora estão a ser cultivados de forma mais equitativa, e reduzir o nosso consumo de carne.

Então devemos passar a ser vegetarianos?

Não, eu não acho que seja tudo ou nada. Não há nada de errado em comer carne. A carne tem um sabor maravilhoso e as pessoas comem carne há muito tempo. Mas há uma grande diferença entre comer carne e cada pessoa comer 300 gramas de carne por dia, que é o que acontece na América agora. E o resto do mundo também quer comer essa quantidade de carne.

Acho que parte do desafio é tirar a carne da equação e voltarmos a usá-la com moderação na culinária, como antigamente. Apenas para dar sabor a estufados ou salteados. E usar todo o animal, não desperdiçar tanto como desperdiçamos agora. Nós só comemos carne do músculo, não queremos comer as vísceras. Eu acho que há lugar para a carne na dieta, mas é muito menor do que agora.

Vamos ter de comer alimentos desenvolvidos em laboratório?

Não nos vejo a comer carne clonada. Talvez isso venha a acontecer, mas até a carne clonada tem que ser alimentada. Consome recursos. Acho que precisamos de comer mais abaixo na cadeia alimentar. Comer mais plantas, animais que não dependem dos cereais.  E quando comermos carne de vaca, optarmos por carne de uma vaca que comeu relva em vez de cereais, porque o ser humano não pode comer relva. Comer carne dessa cadeia alimentar não retira alimento a outra pessoa.

Texto: Filipa Basílio da Silva