As últimas investigações sobre o consumo de carne, peixe, leite e glúten e a sua relação com doenças com taxas de prevalência ascendentes na sociedade ocidental, como a diabetes o cancro, a obesidade e os problemas digestivos, têm abalado algumas certezas e regras da nutrição. Afinal, em alguns casos, estes alimentos podem não ser tão benéficos para a saúde como acreditávamos e, muito provavelmente, teremos de rever as doses e frequência do seu consumo. Dois nutricionistas portugueses comentam estas teorias internacionais e indicam as melhores opções a fazer, se decidirmos manter, reduzir ou até eliminar essas opções da nossa alimentação.

Carne é proteína a abolir?

«The China Study», a maior investigação epidemiológica alguma vez realizada sobre a relação entre o estilo de vida e o risco de doença, concluiu, há cerca de 30 anos, que «as pessoas que comem mais alimentos de origem animal têm mais doenças crónicas e as que comem mais alimentos de origem vegetal são mais saudáveis e tendem a escapar a doenças crónicas». Colin Campbell, investigador bioquímico na Universidade de Cornell nos EUA, líder da pesquisa, aconselha que se evite o consumo de alimentos de origem animal.

Apesar da dimensão dos dados agregados, recentemente apresentados no encontro organizado pela secretaria-geral do Ministério da Saúde, Miguel Rego, nutricionista, lembra que «o estudo foi alvo de uma análise exaustiva por parte de outros investigadores, que encontraram erros e omissões. Não existem evidências fortes e inequívocas para inferir que o consumo de carne deva ser abolido», refere. Existe sim, continua,  a certeza de «que deve ser, sem dúvida, reduzido».

O especialista sublinha que «há que analisar o quadro mais amplo dos hábitos alimentares das populações e não limitar o padrão nutricional a um só alimento». Neste contexto, a opção vegetariana é uma alternativa a considerar? Se está a pensar em seguir uma dieta vegetariana, Miguel Rego lembra que, se não for equilibrada, «pode incorrer em défices nutricionais. É importante obter a quantidade adequada de proteínas (entre 0,8 g e 1,5 g proteínas por kg (peso corporal/dia), a partir de diversas fontes alimentares».

«Quem praticar um regime lacto-ovo-vegetariano tem a missão mais facilitada. A soja e as leguminosas, como o feijão, o grão, as lentilhas e as favas também são boas fontes de proteínas de origem vegetal», refere ainda o especialista, que aponta a necessidade de ingerir este alimento na dose certa. O nutricionista defende que «as carnes de vaca ou porco são fontes privilegiadas de proteínas de alto valor biológico, ricas na maior parte dos aminoácidos».

Estas fornecem ainda quantidades interessantes de ferro heme, «mais facilmente absorvido pelo organismo», como realça o médico, bem como de vitamina B12, «que são elementos importantes no desenvolvimento de crianças e adolescentes, e na saúde de mulheres em idade fértil», acrescenta ainda. As opções mais saudáveis são «as de menor teor de gordura, como o frango, conjugadas com um maior consumo de peixe», acrescenta ainda.

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Leite é de digestão complicada?

Além dos níveis elevados de açúcar e matéria gorda do leite disponível para consumo, investigadores da Universidade de Harvard constataram que, dos cinco aos sete anos, o ser humano diminui a produção de láctase, enzima que digere a lactose, o açúcar do leite. Como não é digerida, esta substância passa por uma fase de fermentação no intestino que se transformará em fungos, microrganismos que alteram a flora intestinal e reduzem os lactobacilos, as bactérias benéficas. Estima-se que cerca de 60 por cento da população mundial tenha algum grau de intolerância ao leite.

A nutricionista Patrícia Segadães sublinha que existe inúmera informação científica que corrobora esta teoria. «A ideia de que o leite é fundamental para a saúde começa agora a ser ultrapassada. A maioria da população iria beneficiar muito com o seu consumo esporádico ou muito esporádico», refere a especialista. A nutricionista acrescenta ainda que «o leite tem vários componentes potencialmente alergénios, como a caseína, que pode danificar estruturas saudáveis do nosso organismo como o pâncreas, favorecendo doenças como a diabetes tipo 1».

«O elevado conteúdo de estrogénios pode ser igualmente prejudicial, uma vez que esta hormona está associada a várias patologias. O alto nível de IGF-1 é descrito como potenciador da obesidade e de cancro, pois ajuda na proliferação de células», acrescenta ainda a especialista. As alternativas existem mas estão longe de convencer muitos dos consumidores. Se optar por não beber leite, «poderá ingerir o equivalente a uma chávena almoçadeira de legumes de folha verde escura, como brócolos ou couves, acompanhados de exposição solar de 15 a 20 minutos, sem proteção solar. Este ritual diário irá fornecer a vitamina D necessária para uma correta absorção do cálcio ingerido.

As bebidas vegetais de aveia, de avelã, de espelta e de soja são boas alternativas como fontes de cálcio, mas não são suficientes. Em casos mais específicos deve ser feita uma suplementação em cálcio, sempre sob supervisão de um médico», alerta Patrícia Segadães. A quem não consegue deixar de beber leite e se apercebe que tem intolerância à lactose, Patrícia Segadães indica que «a variante de leite sem lactose pode ser uma opção, embora a lactose contida no leite seja apenas um dos problemas relacionados com este alimento».

«Quando se sente que o organismo não reage bem ao leite, o ideal será optar por uma bebida vegetal, como alternativa», avança ainda a especialista. É intolerante ao leite? Inchaço abdominal quase que imediato após a sua ingestão, sensação de enfartamento, prisão de ventre ou diarreia podem ser sinal de intolerância. Faça, por isso, um teste.

Para perceber se este alimento é ou não bem tolerado pelo seu organismo, basta retirá-lo da sua alimentação diária durante sete dias e perceber se nota melhorias em alguns destes sintomas. «Há estudos que sugerem a relação entre o consumo de leite e a acne na idade adulta, o agravamento de eczemas cutâneos e asma, agravada pelo aumento da produção de muco», refere Patrícia Segadães.

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Peixe com níveis elevados de mercúrio?

Um estudo da Harvard Medical School demonstrou que os maiores consumidores de peixe apresentavam maiores níveis de mercúrio no sangue, em especial os que comiam peixe-espada ou tubarão, entre outras espécies, registando valores superiores a 5,8 mg/l. O metal foi ainda encontrado em pessoas que só ingeriam salmão ou atum. Segundo a nutricionista da Harvard Medical School, Emily Oke, especialista no consumo de peixes durante a gravidez, «é muito complicado falar dos efeitos nocivos do mercúrio porque o peixe tem nutrientes que são benéficos para o cérebro e o coração, os órgãos que o mercúrio pode prejudicar».

Miguel Rego acrescenta que «têm sido recorrentes os receios sobre a contaminação do peixe por metil-mercúrio, PCBs, dioxinas e resíduos de pesticidas, que não é, infelizmente, exclusiva deste alimento, estando também presente nas carnes, laticínios, ovos e produtos hortícolas». Existem, contudo, espécies a consumir com moderação para evitar eventuais problemas de saúde futuros.

Segundo Miguel Rego, «com a exceção de espécies como tubarão, muito apreciado nos Açores, peixe-espada e cavala [bastante consumido na Madeira], devido aos seus níveis de contaminação por mercúrio, em geral, o peixe é uma fonte imprescindível de proteínas, ácidos gordos polinsaturados, com propriedades anti-inflamatórias, além de ser importante para o desenvolvimento do sistema nervoso com claras implicações na função cognitiva».

Glúten é o germe silencioso?

David Perlmutter, neurologista e membro da Sociedade Americana das Ciências da Nutrição, vem alertar para as consequências do consumo de cereais ricos em glúten. No livro «Cérebro de Cereais», o investigador acusa os cereais de acelerarem algumas das doenças neurológicas, incluindo Parkinson. Para o autor, o glúten, presente nos alimentos à base de trigo, centeio, cevada, espelta, entre outros, acciona processos inflamatórios. A nutricionista Patrícia Segadães considera que a teoria «é validada por estudos científicos».

«A intolerância ao glúten pode levar a problemas digestivos, hormonais, imunitários, assim como neurológicos. Em indivíduos sensíveis ou intolerantes, esta proteína induz a produção de anticorpos que agem no intestino, provocando danos na mucosa, impedindo uma digestão normal e levando a uma maior dificuldade em absorver os nutrientes dos alimentos», acrescenta ainda a especialista. Inchaço abdominal, diarreia, enxaquecas e aparecimento de intolerâncias secundárias, como à lactose, são alguns sinais que o glúten é nocivo para o seu organismo.

Se não sentir nenhum destes sintomas, a nutricionista considera que «pode comer cereais que contenham glúten, embora seja benéfico para toda a população diminuir a ingestão desta proteína». «A quinoa, o arroz, o milho, o trigo-sarraceno, o millet e o amaranto são as opções mais acertadas. Na preparação de receitas, pode utilizar farinhas de amêndoa, de coco, de grão-de-bico, de arroz ou de arroz integral, entre outras», sugere ainda a especialista.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com revisão científica de Miguel Rego (nutricionista) e Patrícia Segadães (nutricionista)