Antes de comer seja o que for, há sempre um pensamento. Um pensamento que leva milhões de pessoas em todo o mundo a comer por impulso. A bola de berlim não entra como que por magia na sua boca. Você olha para a vitrina do café e pensa «Hmm... que ar apetitoso. Não devia, mas não consigo resistir». Ao aprender a falar consigo próprio, é possível mudar a forma como pensa sobre a comida, emagrecer e manter a linha a longo prazo.

É esta a proposta da psicóloga Judith Beck, que através da terapia cognitiva tem vindo a mudar (para sempre) os hábitos alimentares dos seus pacientes no Beck Institute for Cognitive Therapy and Research, na Pensilvânia, nos Estados Unidos da América. Reconhecida internacionalmente pelo livro «The Beck Diet Solution: Train your brain to think like a thin person», publicado pela editora Oxmoor House, um bestseller pelo The New York Times, a psicóloga revela os segredos deste programa inovador.

O que é exatamente a terapia cognitiva?

A terapia cognitiva é um tipo de psicoterapia que provou ser eficaz numa série de problemas psicológicos. É baseada na teoria, validada através da pesquisa, de que o pensamento é um componente-chave dos problemas psicológicos.
A terapia cognitiva ajuda os pacientes a identificar e reformular os seus pensamentos irrealistas e negativos. Quando o conseguem, as pessoas sentem-se melhor e são capazes de agir de forma mais positiva, o que as ajuda a atingir os seus objetivos.

Como é que sendo psicóloga decidiu ajudar as pessoas a perder peso?

Quando comecei a tratar pacientes com problemas como depressão e ansiedade reparei que alguns deles tinham um objetivo adicional de perda de peso. Depois percebi que algumas das técnicas que ajudavam as pessoas a ultrapassar os seus problemas também podiam ajudá-las a emagrecer.

O que distingue a abordagem da terapia cognitiva ao emagrecimento?

O tratamento da perda de peso esteve sempre centrado na mudança de comportamento, o que é algo essencial mas não suficiente. As pessoas podem fazer alterações a curto prazo no seu comportamento alimentar, mas para perder peso e manter o peso perdido precisam, em primeiro lugar, de fazer mudanças permanentes na forma como pensam.

Que tipo de pensamentos podem impedir-nos de perder peso?

Pensamentos derrotistas como, por exemplo, «Não faz mal comer isto porque estou feliz ou porque estou triste ou ainda porque estou cansado ou porque toda a gente está a comer ou ainda porque é grátis, porque é uma ocasião especial porque me apetece ou porque compenso mais tarde»... Este tipo de pensamentos impede-nos de emagrecer.

Que provas existem acerca da eficácia desta terapia na perda de peso?

Vários estudos científicos demonstram que esta abordagem, combinada com aconselhamento nutricional e exercício físico, é eficaz. A sua eficácia reside na ênfase de ensinar competências às pessoas, por exemplo, como motivar-se a si próprio todos os dias.

Como conseguir comer sentado à mesa, devagar e a desfrutar cada garfada. Como construir a autoconfiança. Como criar tempo e energia para fazer dieta. Como lidar com a fome, os desejos e a comida emocional. Como voltar atrás logo após um excesso e muito mais…

Veja na página seguinte: Como lidar com o stresse sem devorar tudo o que nos aparece à frente

Como é que se perde peso através do seu programa?

O meu programa diz às pessoas que elas podem escolher qualquer plano de dieta saudável e equilibrado e ensina-as a manterem-se nesse plano ao longo da vida. A chave é encontrar uma dieta muito nutritiva com calorias suficientes para se manter satisfeita.

Inclui alimentos proibidos ou restrições calóricas?

Não. Se cometer erros como saltar refeições ou ingerir poucas calorias provavelmente perderá algum peso, mas vai sem dúvida voltar a ganhá-lo. É importante incluir os seus alimentos favoritos desde o início e aprender a comer com moderação.

Como é que devemos lidar com o stresse sem nos vingarmos na comida?

As pessoas sem problemas de peso gerem o stresse sem comer. O que fazem então? Elas tentam resolver o problema, corrigem o seu pensamento distorcido, pedem ajuda, distraem-se, fazem exercícios de relaxamento ou meditação ou, simplesmente, permitem-se a si próprias sentir emoções negativas sem intervir.

E o que devemos fazer quando sentimos um enorme desejo por determinado alimento?

Temos de perceber que os desejos desaparecem sempre, quer seja através do ato de comer, quer seja através da nossa determinação em não comer aquilo e desviar a atenção para outra coisa.

Qual a melhor forma de lidar com eventos especiais cheios de comida apetitosa?

No meu livro, recomendo a criação de vários cartões de resposta, os quais devem ser consultados quando surgem pensamentos sabotadores da dieta. Neste caso, aconselho que leia, antes de sair de casa, um cartão que diga frases como «Posso comer o que quiser ou posso ser magro. Não posso ter as duas coisas».

Se comer demais vai obter uma satisfação momentânea mas, depois, vai sentir-me mal. Pense em frases como «Vou ficar especialmente infeliz quando subir para cima da balança amanhã de manhã. Quero ser capaz de sair deste evento especial com a consciência de ter passado um bom momento e orgulhosa por manter a minha alimentação sob controlo».

Como é que posso saber se a terapia cognitiva é a solução para mim?

Ainda não o sabemos. É necessária mais investigação. A abordagem costuma resultar quando realizada com a ajuda de um terapeuta cognitivo treinado para a perda de peso permanente e se o trabalho conjunto é suficientemente intensivo.

Veja na página seguinte: O que deve fazer para pensar como uma pessoa magra

No seu livro, propõe uma fórmula para pensar como os magros. Quais são as diferenças de pensamento e comportamento face à comida entre quem é magro e quem tem excesso de peso?

Uma diferença importante é que as pessoas magras não receiam ter fome, sabem que isso é normal. Elas sabem que, comparada com outros desconfortos que têm na vida, a fome é apenas ligeiramente desconfortável, dura cerca de cinco a dez minutos e depois desaparece completamente.

Elas não tentam eliminar a fome. Se têm fome e se se aproxima a hora da refeição esperam por essa altura para comer. Não se preocupam com o facto de virem a sentir fome, nem se têm comida consigo se isso acontecer.

Por outro lado, as pessoas com excesso de peso evitam sentir fome. Comem demais às refeições. Trazem comida com elas. Petiscam. E tendem a chamar de fome a qualquer desejo de comer, mesmo quando têm o estômago cheio.

Qual o principal erro que se comete na maioria das dietas?

Quando come algo que não devia, a maioria das pessoas diz a si própria «Isto é terrível. Não devia ter comido isto. Já que o fiz vou comer o que quiser durante o resto do dia e começar de novo amanhã»… Assim, transforma um erro de 300 calorias num erro de 3.000.

Que mensagem deixaria aos leitores da Saber Viver que desejam perder peso?

Costumo dizer aos meus pacientes «Não tem culpa de até agora não ter conseguido perder peso ou manter o peso perdido. Nunca a ensinaram a fazê-lo. Aprender a fazer dieta e a manter o peso é o mesmo que aprender qualquer outra aptidão. É preciso ter lições e praticar, praticar, praticar, até tornar-se algo fácil».

O currículo de Judith Beck

Judith Beck, psicóloga especialista em terapia cognitiva, é professora de psicologia na Universidade de Pensilvânia e dirige as três principais funções do Beck Institute for Cognitive Therapy and Research, educação, atendimento clínico e investigação. É internacionalmente reconhecida no campo da terapia cognitiva, sendo autora do manual «Cognitive Therapy: Basics and Beyond», que está traduzido em 18 línguas.

É consultora de vários estudos do National Institute of Mental Health, a maior organização do mundo dedicada ao estudo dos distúrbios mentais. Paralelamente, tem vindo a especializar-se no campo da perda de peso. Aplicou alguns dos princípios fundamentais da terapia cognitiva à área do emagrecimento tendo já ajudado milhares de pessoas a perder e a manter o peso.

Texto: Vanda Oliveira com Judith Beck (psicóloga e especialista em terapia cognitiva)