Desde os anos 70 do século XX que as directrizes internacionais no campo da saúde indicam que o consumo de gordura é corresponsável por epidemias do nosso tempo, como a obesidade e doenças cardiovasculares. Investigações recentes alegam, contudo, que o consumo de gordura, nomeadamente a saturada, pode, afinal, não ser um fator determinante para a doença coronária e que uma dieta com baixo teor de hidratos de carbono é mais eficaz para a perda de peso do que um regime escasso em gorduras.

Cambridge versus Harvard

Uma meta análise da Universidade de Cambridge, que foi publicada este ano no jornal Annals of Internal Medicine, questiona as recomendações centrais para o coração. Na revisão da literatura aos principais estudos sobre saúde cardiovascular, os investigadores não encontraram uma associação entre a ingestão de gordura saturada e doenças cardiovasculares.

Apesar das dimensões das pesquisas e de envolver a mais prestigiada universidade inglesa, a norteamericana Harvard Medical School denunciou erros nas metodologias de investigação e considerou que as conclusões do estudo não podiam ser consideradas.

Fontes hipercalóricas

Walter Willett, responsável pelo departamento de Nutrição da Harvard School of Public Health, afirma que «o artigo do Annals of Internal Medicine gera confusão porque não clarifica o que substitui a gordura saturada se esta for reduzida da dieta. Se for substituída por amido ou açúcar refinado, que são as maiores fontes de calorias na dieta norte-americana, então o risco de doença do coração permanece o mesmo. No entanto, se for substituída por gordura polinsaturada ou monoinsaturada, como azeite, nozes e óleos vegetais, há muita evidência de que o risco será reduzido».

Os erros do estudo

O presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, Manuel Carrageta, concorda com as críticas de Harvard. «É um estudo muito grande, mas cometeu muitos erros. De facto, é importante distinguir gorduras boas e más. A gordura saturada é má ou pior e as monosaturadas ou polinsaturadas são mais saudáveis», refere o especialista, que aponta mesmo algumas incoerências.

«A comparação feita pelo estudo parte de hidratos de carbono refinados, que há muito se sabe que são nefastos para a saúde. Os estudos positivos que levaram a reduzir a gordura saturada não foram incluídos, além de não terem isolado a gordura monosaturada do azeite e os frutos secos, e terem incluído neste grupo as gorduras provenientes de carne vermelha, de produtos lácteos, etc. Apesar de serem monosaturados, há diferenças entre eles», diz.

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Os benefícios dos ómegas 3 e 6

A equipa de Cambridge defende, inclusive, não ter encontrado provas de benefícios em seguir uma dieta rica em gorduras polinsaturadas ómega 3 e 6. Manuel Carrageta discorda veemente. «Há muitas evidências de que o ómega 3 dos peixes gordos (salmão, sardinha, carapau, arenque, sável e cavala, entre outros) tem muitos benefícios para a saúde, assim como o azeite, o alimento que tem mais estudos a comprovar os seus benefícios. Tem uma ação anti-inflamatória, anti-trombótica, reduz a incidência de enfarte do miocárdio. Contudo, considero que se deva consumir todo o tipo de gordura», assegura.

O consumo de carne vermelha

A indicação mais polémica da meta análise é a de que não existem limitações para o consumo de gorduras saturadas, classe na qual se inclui a carne vermelha. Para Manuel Carrageta, esta conclusão não tem viabilidade. «A ingestão exagerada de gordura saturada associa-se, de facto, à arteriosclerose e ao enfarte do miocárdio. Há um estudo belga que comparou a incidência do enfarte do miocárdio com o número de vacas que cada país tem», defende.

O cardiologista vai mesmo ao ponto de apontar exemplos concretos. «Os países que têm mais vacas têm mais enfartes do miocárdio e os países que têm menos apresentam níveis inferiores. Onde há mais vacas em Portugal é nos Açores e é, precisamente, onde existe maior incidência de enfarte do miocárdio», refere mesmo o especialista.

Regime amigo do coração

Não é a primeira vez que uma investigação chega a conclusões favoráveis à dieta rica em gordura. Em 2006, o estudo Women’s Health, que acompanhou quase 49 mil mulheres ao longo de sete anos, apresentou resultados semelhantes e não encontrou relação entre doenças cardiovasculares e a obesidade e alguns cancros, como o do ovário e o da mama. A pesquisa provou ainda que, embora os níveis totais de colesterol e de LDL (mau colesterol) tenham descido, quer com a redução de hidratos de carbono quer com a redução de gorduras, o bom colesterol subiu nos seguidores da dieta baixa em hidratos de carbono.

Gordura versus hidratos de carbono

O estudo mais recente que aponta para as vantagens em privilegiar uma dieta pobre em hidratos de carbono vem da Tulane University School of Public Health and Tropical Medicine de Nova Orleães nos EUA e parece legitimar a tão criticada dieta de Atkins. Uma equipa de investigadores acompanhou, durante um ano, 148 obesos, homens e mulheres entre os 22 e os 75 anos sem problemas cardiovasculares ou diabetes.

Depois dessa análise, o painel de cientistas envolvido na pesquisa universitária internacional concluiu que o grupo que seguiu uma alimentação pobre em hidratos de carbono teve tendência a perder três vezes mais peso e a prevenir o risco de desenvolver doenças cardiovasculares do que aquele que manteve uma dieta pobre em gorduras.

Veja na página seguinte: Perder peso sem hidratos

Perder peso sem hidratos

A perda mais rápida de peso através de uma dieta pobre em hidratos de carbono já foi, como sublinha Manuel Carrageta, comprovada em inúmeros estudos anteriores, mas manter o peso equilibrado tende a ser mais difícil. «Se deixarmos de ingerir hidratos de carbono, como pão, massa, batatas e arroz, o processo de emagrecimento é mais rápido. Com a continuação, a perda de peso estagna», refere .

«Este estudo só durou um ano. São pesquisas de duração curta e esse processo de emagrecimento acontece só ao princípio», critica ainda. Teresa Branco, fisiologista na gestão de peso, uma das mais reputadas especialistas do país na sua área, lembra também que «a maioria das pessoas acaba por desistir e esta é a maior fragilidade deste tipo de abordagem».

Regimes personalizados

A especialista lembra que as pessoas não são todas iguais e uma das diferenças está na forma como metabolizam os hidratos de carbono. Para se definir uma dieta, «deve-se estudar o metabolismo de cada indivíduo e, de acordo com os dados apurados, criar um plano nutricional mais, ou então menos, pobre em hidratos de carbono.  Nas dietas de gordura não existe uma relação tão direta em relação ao funcionamento do metabolismo como nos hidratos de carbono», diz.

«Ingerir uma quantidade muito elevada de gordura e eliminar hidratos de carbono não é uma opção equilibrada. As dietas prescritas com um consumo diário de 50 a 70 g de hidratos de carbono de absorção mais lenta (como cereais integrais), que são os que têm mais fibra, parecem-me mais válidas», defende ainda Teresa Branco.

Na dose certa

Manuel Carrageta revela o que considera ser uma dieta saudável. «A alimentação deve ser variada e conjugada com atividade física. Não existem alimentos completamente maus nem perfeitos. Devemos consumir todo o tipo de gordura, as proporções é que têm de ser alteradas. A carne vermelha tem lugar na nossa alimentação, mas em quantidades certas, por exemplo um bife do tamanho da palma da mão, uma ou duas vezes por semana», recomenda.

«Um dos segredos da dieta japonesa é comer até 80 por cento. Ficar com um pouquinho de fome. Para emagrecer, é preciso uma hora por dia de actividade física. Como estratégia de prevenção do enfarte do miocárdio e da diabetes bastam 20 a 30 minutos diários», aconselha ainda o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia.

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O que são as gorduras e qual a sua composição?

Todas as gorduras têm a mesma estrutura química. Uma molécula de glicerol ligada por três longas cadeias de átomos de carbono. A forma da cadeia de carbono determina as propriedades da gordura e como interage com as células. Mudanças aparentemente insignificantes na estrutura representam diferenças essenciais para o organismo.

A dieta da gordura

Um dos planos alimentares mais controversos, e cujos resultados parecem ter sido validados pelo estudo da Tulane University é a dieta de Atkins, cardiologista norte-americano que, nos anos 60, defendia que ingerir proteínas e gorduras, como manteiga e queijo, e apenas hidratos de carbono à base de farinhas integrais podia ajudar a obter energia, saciar a fome e, por isso, levava a comer menos, mantendo o peso equilibrado. Esta tese é também a base do livro «The Big Fat Surprise: Why Butter, Meet and Cheese Belong in a Healthy Diet», de Nina Teichotz. A dieta de Atkins sempre foi, no entanto, considerada «insalubre» pela American Heart Association e pela National Heart, Lung and Blood Institute.

Os tipos de gordura mais comuns

Existem dois tipos de gorduras. As saturadas e as insaturadas, que podem ser monoinsaturadas e polinsaturadas. As insaturadas ajudam a reduzir o colesterol LDL (mau colesterol) e os trigliceridos, e contribuem para a prevenção dos ritmos cardíacos anormais e de doenças cardiovasculares. Podemos encontrá-las no azeite, nos óleos vegetais (de amendoim, de colza, de girassol), nos frutos secos e no abacate (monoinsaturadas) nos peixes gordos, nas nozes, nas sementes de linhaça e no óleo de soja não hidrogenado (polinsaturadas ómega 3).

Estas estão presentes, ainda, nos óleos vegetais, como óleo de girassol, de milho, de soja e de noz (polinsaturadas ómega 6).  Já as saturadas são cerca de 24. A maior parte, como a da carne ou queijos gordos, aumenta os níveis do colesterol LDL, mas a gordura saturada ácido esteárico, que se encontra no chocolate negro de cacau, reduz os seus níveis. Podemos encontra-las na manteiga, nas carnes vermelhas, na banha, na gordura de bacon, nos queijos gordos, na gordura do leite, entre outros.

As gorduras trans aumentam o colesterol LDL e reduzem o colesterol HDL (bom colesterol). Não têm nenhum benefício para a saúde e encontramo-las nos óleos parcialmente hidrogenados, nas manteigas, nas batatas fritas e nas refeições embaladas.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com colaboração e revisão científica de Manuel Carregeta (cardiologista e presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia) e Teresa Branco (fisiologista na gestão de peso e directora do Instituto Prof. Teresa Branco)