A investigação de Patrícia Almeida Nunes culminou em 400 páginas de um guia prático, orientado para a gestão alimentar. Em “Uma Especialista em Nutrição no Supermercado” (Esfera dos Livros) ficamos, entre outra informação, a conhecer as características nutricionais de cada alimento, aprendemos a ler os rótulos das embalagens e a “procurar as verdades escondidas”, como salienta a especialista. Conversámos com a autora no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde coordena o Serviço de Dietética e Nutrição.

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O primeiro capítulo do seu livro detém-se em informação nutricional e os fundamentos para uma alimentação saudável e equilibrada. Leva-me a perguntar: como se alimentam hoje os portugueses?
Se partirmos do pressuposto que mais de 50% da população portuguesa tem excesso de peso, poderemos à partida pensar que se alimenta mal. Isto não tanto na quantidade, mas na qualidade das escolhas alimentares. Vemos, por outro lado, muita vontade dos portugueses em modificarem os seus hábitos alimentares. Há pacientes que chegam às consultas não com excesso de peso ou problemas de saúde, mas somente para saber se têm uma alimentação saudável.

Também não podemos esquecer que os estilos de vida e os papéis sociais mudaram...
Sim, os estilos de vida mudaram. O papel da mulher ao longo dos anos foi fundamental em casa. Isto porque cozinhava, comprava. Hoje, naturalmente, a mulher não está em casa, tem a sua vida profissional e a partilha de muitas outras tarefas. Sobra pouco tempo para comprar melhor, com mais calma, e de forma mais atenta.
Por outro lado, atualmente a investigação que se faz sobre os alimentos traz-nos mais informação. Os rótulos são um bom exemplo. Os fabricantes colocam ao alcance do consumidor toda a informação. Há, no entanto, que saber lê-la.

É licito afirmar que vivemos numa época em que as compras não são racionais, antes orientadas pelo mercado e pelo marketing?
O marketing tem aqui um grande peso. Somos muito seduzidos por toda a informação escrita, visual. Basta ver a quantidade de anúncios que a televisão emite em torno dos alimentos. O tipo de anúncios procura um determinado público. No ponto de vendas o layout também é feito para nos levar a comprar o produto A em detrimento do produto B. Nada é deixado ao acaso, a música, a luz, os spots publicitários, os odores, a disposição nos lineares. Para mais, há muitos alimentos que induzem informação nos seus rótulos. Por exemplo: “bolachas com leite”. O leite que é adicionado é uma quantidade muito pequena. Provavelmente outro fabricante que também tem leite na constituição da bolacha não se lembrou de colocar essa menção na embalagem. Venderá talvez, por isso, menos.

À medida que aprofundava a pesquisa para este livro, o que é que mais a impressionou pela positiva e negativa na lógica de mercado/produtos?
Pela positiva, a informação nutricional detalhada que muitos fabricantes colocam à disposição do consumidor. Por exemplo, a nível dos açúcares, temos os hidratos de carbono complexos. Há muitos fabricantes que colocam a quantidade do amido, açúcares, etc. A nível de gorduras, dispomos de informação sobre se, ao comprarmos o produto, estamos a consumir as saturadas, polinsaturadas. Pensemos nas pessoas com problemas alérgicos, ou glicemia alta, é importante saber o que compõe o produto.
Pela negativa saliento a rotulagem que recorre a frases chamariz. Dou um exemplo: os preparados para ir ao forno que são submetidos a uma pré-fritura

pelo fabricante. Dá a ideia de que na sua base são de forno e, eventualmente, podem ser consumidos com mais frequência.

Não é um contrassenso todos os dias ouvirmos falar dos avanços da indústria alimentar, assistirmos ao lançamento de novos produtos e, ao que tudo indica, comermos pior?
Comemos pior porque muitas vezes não temos a perceção que o estamos a fazer. Por exemplo, há novas bolachas que são uma fonte de gordura saturada e que aumentam o colesterol face a típica bolacha Maria ou as tradicionais ararutas. Temos a ideia de que sabemos muito sobre a alimentação, mas, na essência, as pessoas não decifram assim tão bem aquilo que comem. Isto para fazerem as melhores escolhas alimentares.

Ainda no que respeita aos “novos” alimentos que vão surgindo, a leitura do seu livro deixa-nos um “travo amargo”. Ou seja não nos parecem tantos avanços a nível nutricional, mas antes campanhas de marketing sobre um mesmo produto. Como comenta?
Por exemplo, no campo dos lácteos, vamos encontrar iogurtes, sobremesas de queijo em forma de iogurte e sobremesas lácteas em forma de iogurte. Todos eles com características diferentes do ponto de vista nutricional. E isso está expresso no rótulo. Uma sobremesa láctea poderá implicar muito mais açúcar, gordura e aditivos. Um iogurte “puro” terá menos manipulação de fábrica do que, por exemplo, um “iogurte” à base de soja. Criou-se um mundo em torno da soja. Há bolachas, leites, iogurtes, margarinas. Não têm o mesmo perfil nutricional que tem, por exemplo, o leite de vaca, isto por comparação ao “leite” de soja.

São, de certa forma, modas?
Tem um pouco a ver com a investigação. Em tempos falou-se muito do ómega 3 e ómega 6. Agora vive-se muito em torno deste mundo da soja e das alternativas vegetais. A questão da ideia do vegetal e natural é muito aproveitada pelos fabricantes. O consumidor, independentemente do seu perfil, pensa “vegetal é bom”. Contudo, muitos produtos vegetais podem ser uma fonte de gordura de saturada, que aumenta o nível do colesterol. Neste sentido, o livro acaba por dar a informação necessária para melhor entender o produto, através da análise da lista de ingredientes. Quando olhamos para um alimento não o podemos fazer só para a informação nutricional, temos de perceber a lista de ingredientes. Porque, aí, é obrigatório colocar tudo o que integra o produto. Contudo, dou-lhe um exemplo, os fabricantes, a nível de produtos para crianças, ao invés de colocarem o “E”, indicativo de aditivo, colocam “Vitamina C”, ou “ácido ascórbico”.

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Refere os aditivos. Subsiste alguma confusão e temor em torno dos aditivos alimentares, nomeadamente os “Es”. Do que estamos a falar?
São seguros desde que utilizados em determinada quantidade. Estão devidamente legislados e há entidades que controlam essa mesma quantidade de aditivos. As pessoas, dentro da mesma gama, devem variar a alimentação, para evitar consumir mais de um aditivo específico. Por exemplo, nos sumos e refrigerantes, convém variar para não consumirmos os aditivos ai presentes em grande quantidade.
Ainda no que respeita aos aditivos, dou um outro exemplo: no pão tradicional que compramos não figura lista de ingredientes e, no entanto, poderá ter aditivos, por exemplo “melhorantes”.

Estamos perante uma obra que “desmistifica”. Pode-nos salientar alguns dos grandes mitos em torno dos produtos que encontramos nos lineares dos supermercados?
Por exemplo, os produtos ricos em fibras. O consumidor é levado e pensar “é ótimo porque até emagrece”. Por vezes, o consumidor está a ingerir um produto com mais açúcar e gordura do que um outro produto com menos  fibra. Por exemplo, a nível dos croissants. Terão as mesmas calorias e, provavelmente mais gordura e açúcar. Sugiro que se procure outras fontes de fibra. Um pão de sete cereais, por exemplo, é uma boa fonte de fibra.
No que respeita às tostas é o mesmo que comer pão. Estas, embora com um aspeto seco, contêm gordura. Acresce-se que se ingerirmos quatro ou cinco tostas de tamanho normal, equivale a comer um pão.
É importante percebermos o seguinte: se por exemplo a pessoa tiver um problema de colesterol, as suas escolhas alimentares terão de ser encaminhadas no sentido de mitigar o problema. Pode, por exemplo, optar por iogurtes e queijos magros. Mas se quiser também controlar os açúcares, terá de estar atenta a esse parâmetro. O guia acaba por nos orientar nesse sentido. Por exemplo, ficamos a saber que as massas e o arroz são grandes fornecedores de hidratos de carbono e praticamente isentos de gordura. Podemos é selecionar um arroz com mais ou menos fibra.

Em linha com o que temos estado a falar dou três exemplos concretos de frases que encontramos correntemente nas embalagens: “sem gordura”, “sem açúcar”, “dietéticos”. Enquanto consumidores estamos formatados para comprar ao lermos estas afirmações?
As três grandes linhas que enuncia poderão ser promotoras da nossa formatação mental para associarmos ao zero. Explico: a indústria formatou-nos para pensarmos em termos de 0% e associar a “bom”. Estamos perante uma situação onde, uma vez mais, há que ver bem o rótulo e a lista dos ingredientes. Serve bem o exemplo que dei no início da conversa com as bolachas e o leite. Temos, antes de mais, de perceber a nossa orientação em termos de compras. Dentro do razoável, quando temos mais tempo, podemos ir estudar os lineares e os produtos ai expostos. Organizamos a nossa visita por secções. Hoje, a própria internet é uma ajuda pois os fabricantes, por norma, disponibilizam a informação sobre os produtos.

No livro fala-nos do rótulo como o “maior amigo no supermercado”. Pode-nos descrever este amigo e a sua importância nas nossas escolhas de compra?

Exato. No rótulo temos, de acordo com a legislação, informação facultativa, que o fabricante pode optar por não colocar, e outra de caráter obrigatório, detalhada. Por exemplo, o teor em proteínas, ácidos gordos saturados, sal. Essa é informação nossa “amiga”. Isto porque conseguimos perceber de facto o que vamos comer.
As informações para além de serem apresentadas por cada 100 gramas ou 100 mililitros, podem sê-lo por porção.
A importância do rótulo pode ser expressa no seguinte exemplo: se queremos controlar os açúcares, há que perceber se a embalagem ao escrever “0 % de açúcares adicionados”, não contém, de qualquer forma, uma fonte rica de açúcar. Por exemplo, o Muesli pode ser rico em açúcar.

Este é também um livro para pais e educadores promoverem uma melhor alimentação entre as crianças. Também elas estão expostas aos apelos das marcas. Que estratégias podemos usar para afastar os mais pequenos destas “tentações”?
É uma questão de negociação. Ou seja, não podemos ir ao supermercado e comprar tudo o que os mais pequenos querem. Da mesma forma que não lhes compramos todos os livros e brinquedos que pedem, também não adquirimos todos os alimentos. Se acabam por levar uns cereais mais açucarados, então não podem levar chocolates. Há também que informar as crianças e dar o exemplo. Os adultos não podem encher o carrinho com alimentos menos bons para si e, paralelamente, proibir as crianças para esses mesmos alimentos.

Para além de preconizar uma alimentação mais saudável, este guia aponta uma alimentação mais económica. Ou seja, podemos comer melhor gastando menos. Como?
Claro. Por exemplo, podemos consumir os produtos da época, no caso dos hortícolas e da fruta. Também temos de saber “ler” o supermercado e a forma como dispõe a informação e disponibiliza os produtos. As marcas próprias podem não ser mais baratas do que outras marcas existentes no mercado. Há que cruzar informação. Comparar o preço com as quantidades, com o prazo de validade. Por exemplo, os sacos de saladas preparadas podem estar com um preço promocional mas com uma validade que termina no dia seguinte.