SAPO Lifestyle: A incidência do VIH/Sida está a aumentar em Portugal? 

Pedro Morais: Pela análise das tendências temporais é-nos revelado que a taxa de novos diagnósticos de VIH/Sida tem decrescido a nível europeu, Portugal incluído, de forma consistente ao longo dos anos, no entanto, no presente, somos um dos países com a maior taxa de incidência da União Europeia (ECDC, 2014). A transmissão por via sexual corresponde a mais de 90% dos novos casos, concentrando mais de metade das mesmas nas faixas etárias dos 20 aos 44. Um quarto das novas infecções ocorreram em pessoas com 50 ou mais anos de idade.

SAPO Lifestyle: Quais são os principais grupos de risco?

Pedro Morais: Quanto às três principais categorias de transmissão, foi mantido o padrão registado nos últimos anos. A proporção de novos casos de transmissão através de relações heterossexuais manteve-se estável em cerca de 60%, tendo-se assistido novamente a um aumento da proporção de novos casos de transmissão em homens que têm sexo com homens (HSH), representando 32%. A transmissão verificada em utilizadores de drogas injetáveis continua a diminuir e ronda os 4% dos novos casos neste último ano (PNIV-DGS, 2014).

A falta de investimento na prevenção no nosso país faz com que as crenças de grande parte da população sejam erradas e passem por considerar que esta é uma infeção de grupos de risco

SAPO Lifestyle: Que medidas deveriam ser tomadas pelo Governo para tratar a doença e as novas infeções?

Pedro Morais: Apesar de as estatísticas não serem as mais favoráveis, vivemos um período de esperança nesta área. O tratamento antirretroviral para pessoas portadoras do VIH é altamente eficaz, com efeitos secundários muito reduzidos, totalmente gratuito em toda a Europa, tornando tanto a qualidade de vida, como a esperança média de vida muito semelhante a uma pessoa não portadora do vírus.

Para esta medicação conseguir ter esta eficácia é necessário que a pessoa seja diagnosticada o mais precocemente possível. Nós temos uma taxa de diagnósticos tardios preocupante, com 50% dos novos casos detetados neste último ano a serem tardios. Esta é uma das nossas maiores lacunas e a Direção-Geral da Saúde tem feito esforços para a contrariar. Têm sido financiados projetos de deteção precoce a nível comunitário para tentar aumentar a acessibilidade ao teste do VIH por parte da população.

Temos de trazer o tema VIH com mais força a debate na população em geral. A falta de investimento na prevenção no nosso país faz com que as crenças de grande parte da população sejam erradas e passem por considerar que esta é uma infeção de grupos de risco, ou seja, que se não se avaliam como grupo de risco esta infeção nunca chega a eles. Este tipo de atitude acaba por afastar as pessoas da realização do teste e a gerar esta elevada taxa de diagnóstico tardio.

Observamos um padrão crescente nas novas infeções no grupo de HSH, verificado a nível Europeu. Provavelmente o grupo mais informado em relação a todas as IST. A informação per si não é fator protetor.

Sabemos que o investimento na disponibilização do teste de VIH nas equipas de âmbito comunitário é fundamental e está a ser feito. Também sabemos que sem um investimento na prevenção primária se torna difícil a aproximação da população a este tipo de teste.

SAPO Lifestyle: Ainda existe demasiada iliteracia no que toca ao tema do VIH/Sida?

Pedro Morais: A iliteracia no tema do VIH está muito concentrada na crença de que esta infeção pertence a grupos específicos, a grupos de risco, a grupos que se comportam de forma desviante da norma. Esta crença é o ponto de partida para uma atitude de distanciamento a esta infeção e consequente estigmatização e discriminação.

Existem grupos vulneráveis para a saúde no global, para o VIH em específico, e precisamos de intervir de forma específica e adaptada. No entanto, quando observamos que mais de metade das novas infeções, durante anos consecutivos, têm sido através de relações heterossexuais, percebemos que não podemos deixar cair a intervenção na população em geral.

Observamos um padrão crescente nas novas infeções no grupo de HSH, verificado a nível Europeu. Provavelmente o grupo mais informado em relação a todas as IST. A informação per si não é fator protetor.

São do conhecimento geral as formas de transmissão do VIH, é raro a pessoa que não as enumere com facilidade. 90% das transmissões de novos casos que se apresentam no nosso país são através de relações sexuais desprotegidas. Uma relação sexual é caracterizada sobretudo por afetos e emoções. O conhecimento, no geral, é secundário. Talvez a iliteracia no nosso país não seja no tema do VIH ou outra IST, mas na educação sexual e todos os temas que envolvem a sexualidade humana. Sabemos muito sobre doenças, mas pouco sobre sexualidade.

A infeção pelo VIH sofreu uma evolução enorme nas últimas décadas. Hoje é considerada uma infeção crónica. Temos de ter a capacidade de adaptar a nossa intervenção e a nossa comunicação à realidade presente, utilizando todas as ferramentas disponíveis.

SAPO Lifestyle: Acha que a Profilaxia pré-Exposição (PreP) chegará a Portugal para todos os grupos de risco?

Pedro Morais: Nós enquanto ABRAÇO somos a favor da PrEP. Consideramos que para populações onde a adesão ao preservativo não foi e não será eficaz, deverá ser apresentada esta opção e/ou combinada com outros métodos de prevenção. Tudo o que aumente a panóplia de métodos preventivos será sempre benéfico pois permite-nos chegar a mais pessoas. Os estudos têm incidido essencialmente sobre a população HSH e tem demonstrado resultados eficazes. Na nossa opinião poderá ser aumentado para casais serodiscordante e para outras pessoas de risco mediante inquérito prévio por um profissional de saúde para determinação de probabilidades.

As pessoas que decidam fazer PrEP deverão ser testadas previamente e serem acompanhadas de 3 em 3 meses para ir buscar mais medicação e para controlo e monitorização. Visto a medicação utilizada, nome comercial Truvada (TDF) provocar alterações renais, quem tenciona fazer PrEP deverá fazer um check-up ao rim antes de iniciar pois poderá não ter critérios clínicos para iniciar devido a patologia renal prévia. Outro efeito secundário que também ainda não está claro, é que o TDF provoca uma redução da densidade óssea, o que pode colocar os sujeitos mais vulneráveis a fraturas. No entanto parece e os resultados ainda não são conclusivos, que este efeito é reversível quando os sujeitos deixam de tomar.

SAPO Lifestyle: Como funcionam os testes rápidos feitos na Abraço?

Pedro Morais: A Associação Abraço disponibiliza testes rápidos de VIH, em Lisboa, no Porto e no Distrito de Aveiro (em Unidade Móvel de Saúde), de forma anónima, gratuita e confidencial, realizados por uma equipa composta por Psicólogo e Enfermeiro. A fiabilidade é total para os casos negativos respeitando o período janela de 3 meses, período entre o comportamento de risco e a realização do teste. As nossas equipas também dispõem do teste de 4ª geração que reduz o período janela para menos de 1 mês. Os testes têm uma fiabilidade de 98% para os resultados reativos.

Todos os resultados reativos carecem de um teste confirmatório, em contexto hospitalar, para se realizar diagnóstico. As nossas equipas de rastreio disponibilizam o agendamento do teste de confirmatório e acompanhamento à consulta caso a pessoa manifeste essa vontade e/ou necessidade.

Saiba mais: Os 16 sintomas mais comuns do VIH/Sida

Leia ainda: O sexo oral transmite Sida? 10 dúvidas frequentes

Veja ainda: As doenças sexualmente transmissíveis mais perigosas

Conheça esta históriaQuando era bebé, o pai injetou-lhe sangue com VIH