31 de março de 2014 - 15h15

O veneno letal do caracol marinho "Conus geographus" pode vir a ser utilizado no tratamento da dor crónica em doentes com cancro, sida, Alzheimer ou diabetes, anunciou hoje à Lusa o geneticista Agostinho Antunes, que participou na investigação.

“Estes caracóis marinhos têm uma grande diversidade de venenos, alguns de extrema potência, que conseguem ser dez mil vezes mais potentes que a morfina”, sem ter as suas consequências viciantes e os seus efeitos colaterais, disse o investigador, que faz parte da equipa que estudou esta espécie da Grande Barreira de Coral na Austrália.

A investigação, publicada na revista científica Nature Communications, comprova, pela primeira vez, que um animal venenoso utiliza venenos distintos para caçar presas e defender-se de predadores.

“No sentido prático, este conhecimento abre caminho para a identificação de novas toxinas de venenos que atuam no sistema nervoso humano, podendo resultar em novos tratamentos para a dor crónica”, salienta o estudo realizada por equipa de cientistas australianos e pelos investigadores Kartik Sunagar e Agostinho Antunes do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, da Universidade do Porto.

O Conus geographus é um caracol altamente perigoso, tem a picada mais tóxica conhecida entre as espécies de Conus, e é responsável por mais de 30 mortes humanas conhecidas, não existindo um antiveneno para a sua picada.

Segundo o estudo, os venenos de caracóis marinhos do género Conus englobam as estratégias mais sofisticadas de envenenamento conhecidos no reino animal, permitindo que estes pequenos e lentos animais capturem vermes, moluscos e mesmo peixes.

“Conhecer os venenos destes animais é importante para tentar
desenvolver antídotos contra esses venenos, mas, ao mesmo tempo, permite
também a descoberta de novas moléculas que podem ter aplicação
farmacológica”, sublinhou Agostinho Antunes.

Cada uma das
espécies de caracóis marinhos Conus produz mais de mil conopeptidos
distintos, estando muito poucos destes compostos, caracterizados
farmacologicamente (cerca de 0,1%).

Esses compostos têm grande
potencial como drogas analgésicas, nomeadamente como alvo de recetores
específicos da dor humana, adianta o estudo.

Nesse sentido, a
investigação destaca o inibidor Prial aprovado pelo FDA nos Estados
Unidos da América, em 2004, sendo utilizado para tratar a dor
intratável. “O tratamento da dor neuropática crónica com conopeptidos
pode assim estender-se a pacientes que sofram de cancro, artrite,
herpes, diabetes, Alzheimer, Parkinson e SIDA”, defende.

“Pessoas
que sofrem de determinadas patologias que lhes causa imensa dor, como
cancro, diabetes, artrite, ou Alzheimer, podem vir a ser tratados com
este tipo específico de droga que é bastante potente e tem uma
importância bastante grande para a saúde humana”, salientou Agostinho
Antunes.

O investigador adiantou que estas espécies do género
Conus existem em zonas tropicais, em águas quentes dos oceanos
Atlântico, Pacífico e Índico, podendo também encontrar-se em Cabo Verde.
Em Portugal continental, não existem estas espécies.

Agostinho
Antunes adiantou que este trabalho vem no seguimento de outros estudos
que tem realizado em animais venenosos, como morcegos, vampiros, cobras,
lagartos, cefalópodes (polvos, lulas e chocos), escorpiões e aranhas.
Milhares de pessoas morrem anualmente, a nível mundial, da mordedura de
animais venenosos, o que acentua a importância do estudo de venenos,
tanto em países desenvolvidos como em países subdesenvolvidos.

SAPO Saúde com Lusa