Em declarações à Lusa, o novo administrador do Hospital S. Sebastião explicou que o sucesso do processo de estabilização da Urgência, já em curso, depende de dois fatores: "a reorganização de todo o serviço hospitalar de forma a permitir a alocação de mais profissionais à Urgência e o robustecimento dos vários serviços de que saem esses médicos, para colmatar cirurgias e consultas".

Nessa perspetiva, Miguel Paiva apelou aos cerca de 40 clínicos do quadro do hospital para que passassem das 35 para as 40 horas semanais, mas, desde a sua entrada em funções a 20 de fevereiro, "o número de pedidos formais de transição ainda é muito pouco significativo".

A mudança não pode, contudo, ser imposta, porque o regime legal de exceção criado em 2012 para a classe médica determina que só transitam os profissionais que assim o desejem - mediante uma atualização salarial menos vantajosa do que a das 35 horas.

"Desde 2012 até entrar em funções esta administração, nenhum médico fez a transição, apesar de alguns se terem disposto a isso", realça Miguel Paiva. "Retomámos esse processo e é um passo positivo que agora alguns tenham aceitado o nosso pedido, mas esperamos conseguir obter a adesão de bastantes mais", avalia.

Para o presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, por sua vez, "a transição das 35 para as 40 horas, sendo bem organizada pelos respetivos serviços, pode constituir uma mais-valia importante para o Hospital da Feira, embora não resolva 'de per si' o problema da Urgência".

"Não resolve porque estamos a falar de médicos especialistas que podem colaborar no apoio ao Serviço de Urgência, mas não solucionam o problema central do circuito do doente emergente", explica Miguel Guimarães. "Esse necessita ser complementado com profissionais de saúde dedicados, que têm competências próprias", refere.

No processo de transição, Miguel Guimarães realça que "a diferença substancial reside no facto de quem optar pelas 40 horas poder ter que trabalhar na Urgência até 18 horas por semana, como parte do horário de trabalho normal - sem pagamento de horas extraordinárias".

Outra desvantagem é que, "se o médico já tiver 50 ou 55 anos, idades que o dispensam de fazer noites no Serviço de Urgência ou lhe conferem dispensa completa disso, [com a transição] terá o compromisso de durante dois anos se obrigar a fazê-lo".

Essa gestão de horários é agravada pela reintrodução da obrigatoriedade do descanso compensatório para médicos que exerçam mais do que oito horas consecutivas aos domingos, feriados ou de madrugada - contando esse descanso como horário de trabalho.

"Vamos cumprir a regulamentação, mas queremos fazê-lo com o envolvimento dos serviços e com bom senso, porque, se isto for feito de forma cega, pode ter consequências dramáticas ao nível da produção [de cirurgias, consultas, etc.]", anunciou Miguel Paiva.

Até ao início desta semana, só os serviços de Medicina Interna e Otorrinolaringologia sujeitaram os solicitados novos horários à aprovação da administração, mas, segundo o presidente da Ordem dos Médicos do Norte, a reorganização não pode ser evitada. "Cabe a cada diretor clínico impor o descanso compensatório à sua equipa, até porque, se um dia algo corre mal, a responsabilidade pelo erro médico também é dele", alerta.

Miguel Guimarães antecipa que a medida "vai ter repercussões nos índices de produtividade do hospital, sobretudo porque esse está com falta de profissionais", mas adianta: "Como a unidade tem um corpo clínico excelente e estava com indicadores muito bons ao nível de cirurgia e consulta externa, desde que se mantenham os tempos de espera dentro do clinicamente aceitável, a quebra não deverá ser significativa".