O único cirurgião do Serviço Nacional de Saúde que realizava operações de mudança de sexo abandonou o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, uma decisão que o Ministério da Saúde recusa comentar.

Num texto publicado na sua página pessoal na Internet, o cirurgião João Décio Ferreira justifica a decisão de sair com o facto de lhe ter sido proposto um pagamento de seis euros por hora.

“Propuseram-me um horário de 35 horas semanais pagando-me 1/3 da reforma ou 1/3 do ordenado conforme eu quisesse, isto é, no meu caso, 6 €/hora brutos (antes de descontar o IRS)", escreve o médico.

“Achei ofensiva uma ‘oferta’ destas. Ainda por cima como o Hospital e o Serviço de Cirurgia Plástica não tem possibilidade de me dispensar 35 horas para tratar só pessoas com Perturbação de Identidade de Género, certamente que este contrato pressupunha eu fazer todas as outras cirurgias, que não estou interessado em fazer, e para a realização das quais não faço qualquer falta”, acrescenta.

Contactada pela agência Lusa, fonte oficial do Ministério da Saúde disse não haver qualquer comentário a fazer.

No texto em que justifica a sua saída, Décio Ferreira indica que há um interno do Serviço de Cirurgia Plástica no Santa Maria com interesse em prosseguir com este tipo de operação.

“Contudo só estaria em condições de o fazer daqui a dois ou três anos se pudesse trabalhar comigo. De facto ainda lhe faltam cerca de dois anos para terminar o Internato da Especialidade”, refere o cirurgião.

Em declarações à agência Lusa, João Décio Ferreira enfatizou que, com a sua saída, não há ninguém que assegure estas operações no Serviço Nacional de Saúde e que 99 por cento das pessoas que as solicitam não têm capacidade para pagar cirurgias no privado.

As que têm o diagnóstico feito e que têm dinheiro vão realizar a cirurgia ao estrangeiro porque o seu desejo é fazer a mudança de sexo o mais rapidamente possível, explicou.

Sobre o facto de não haver outros especialistas a fazer esta cirurgia, Décio Ferreira explicou também que estas operações só se realizam em Portugal desde 1995.

“Quem começou com estas cirurgias em 1995 foi o dr. Godinho de Matos e quando ele se reformou eu tomei conta destas cirurgias porque já tinha toda a experiência de cirurgia plástica que era importante para esta operação”, contou.

Agora, surgiu um interno de cirurgia plástica interessado em realizar esta operação, mas faltam dois anos de especialidade. Também um interno que entrou este ano mostrou interesse nesta área, referiu.

“Quando o interno acabar a especialidade poderá começar a dedicar-se a isso, mas tem de ir estagiar para o estrangeiro”, adiantou.

"No ano passado" - disse também o cirurgião -, "fiz as contas dos doentes que tinha de tratar e teria cirurgias para fazer durante dois anos e meio. Atualmente, há nove processos a aguardar autorização na Ordem dos Médicos. Todos os anos devem surgir com diagnóstico feito entre oito a nove doentes por ano".

“Eu não podia estar a dar 35 horas por semana a um hospital e a ser pago por seis euros à hora, mais valia não trabalhar”, frisou Décio Ferreira à Lusa.

”O Hospital de Santa Maria fez aquilo que está previsto para os médicos reformados, mas eu disse que não podia aceitar isto”, acrescentou.

02 de março de 2011

Fonte: LUSA/SAPO