Em Outubro, em entrevista ao PÚBLICO, Irving Kirsch, psicólogo norte-americano especialista do efeito placebo, declarava: “Com vários colegas, estamos a procurar maneiras de aproveitar o efeito placebo sem enganar as pessoas. (...) De forma totalmente aberta.”

Instado a dar-nos algumas pistas, respondera que ainda não podia dizer nada, mas que haveria resultados concretos em breve. Foi o que aconteceu hoje com a publicação, na revista PLoS One, de um estudo da equipa de Ted Kaptchuk, da Universidade de Harvard – do qual Kirsch (que trabalha na Universidade de Hull, no Reino Unido) é um dos co-autores.

Os placebos são essencialmente comprimidos de açúcar, desprovidos de substância activa contra a doença que pretendem tratar. Costumam ser utilizados nos ensaios clínicos como termo de comparação com potenciais novos medicamentos. Mas apesar de serem totalmente inertes, o seu efeito terapêutico pode ser tão espectacular que as estimativas sugerem que até 50 por cento dos médicos norte-americanos poderão estar a receitá-los aos seus doentes sem lhes dizer!

Só que como esta prática é considerada anti-ética, Kaptchuk e os seus colegas decidiram ver se seria possível aproveitar o poder do efeito placebo respeitando os direitos do doente. No estudo participaram 80 pessoas que sofriam de síndrome do cólon irritável (SCI), uma doença difícil de tratar, caracterizada por dores e gases abdominais, prisão de ventre ou diarreia (ou ambos). Pode surgir na sequência de vivências stressantes, mas as suas causas desconhecem-se.

Metade dos doentes (o grupo de controlo) não recebeu comprimidos nenhuns e a outra metade teve de tomar duas vezes por dia comprimidos de placebo, assumidamente descritos como “semelhantes a comprimidos de açúcar”. “Não só ficou absolutamente claro que os comprimidos não tinham ingredientes activos e eram feitos de componentes inertes”, diz Kaptchuk em comunicado, “como os nossos frascos até tinham uma etiqueta que dizia ‘placebo’. E dissemos aos doentes que nem sequer tinham de acreditar no efeito placebo. Só lhes pedíamos que tomassem os comprimidos.”

Após três semanas, 59 por cento no grupo placebo declarou um alívio adequado dos sintomas, contra apenas 35 por cento dos que não tinham tomado nada. E o nível de melhoria devido ao placebo foi mais ou menos equivalente aos efeitos dos mais potentes medicamentos utilizados contra a SCI.

“Não pensava que funcionaria”, diz Anthony Lembo, co-autor e especialista da SCI. “Sentia-me incomodado por ter de pedir aos doentes para literalmente tomarem um placebo. Qual não foi a minha surpresa quando pareceu funcionar para muitos deles!” Os resultados, dizem porém os cientistas, são preliminares e precisam de ser confirmados. E quanto às doenças que poderiam vir a ser tratadas?

“Os placebos não afectam o tamanho de um tumor”, responde-nos Kaptchuk via email. Mas no cancro, poderíamos considerar utilizá-los no controlo da dor ou das náuseas.” E acrescenta: “É provável que os placebos permitam tratar principalmente doenças definidas pela auto-avaliação do doente – dores de costas, cefaleias, depressão, dores osteo-articulares –, alterando a experiência que se tem da doença. Por exemplo, sabemos que os placebos podem activar as endorfinas e a dopamina. Ou seja, têm efeitos ‘reais’ sobre o organismo, mas sobretudo ao nível da sintomatologia e não da patologia em si.”

23 de Novembro de 2010

Fonte: Público