Atualmente a coordenar a Unidade de Saúde Familiar (USF) do Planalto, em Santarém, não foi por vocação que se tornou médica de clínica geral e familiar há 30 anos, mas hoje confessa que faz o que gosta e fá-lo com paixão.

“Gosto da diversidade. O doente é um todo. Não consigo dividi-lo em partes. Gosto da vertente física, psíquica e social”, disse à agência Lusa, confessando que o processo de doença pelo qual ela própria passou não alterou a sua postura, porque já se punha “no lugar deles”, mas deixou-a “mais atenta a alguns pormenores, mais sensível”.

A USF que coordena, com 10.163 utentes, começou com nove médicos. Agora são cinco. À exceção da coordenadora (a única com horário de 35 horas devido a sequelas da doença), cada um gere cerca de 1.900 utentes e cobre o ficheiro dos doentes que não têm médico de família atribuído (1.592).

"Estamos a trabalhar acima dos limites", disse, apontando a média de idades, superior aos 50 anos, dos cinco médicos.

Helena Mendes, médica de família há 30 anos, não esconde a frustração de gerir marcações com 15 minutos de intervalo, para consultas muitas vezes de doentes que não conhece, porque não fazem parte do seu ficheiro, e, dos que fazem, muitos são idosos, com polipatologias e dificuldade de se expressarem, a exigirem um tempo que não tem.

A necessidade de garantir um atendimento adequado e as falhas persistentes do sistema informático – no dia da reportagem da Lusa o sistema estava em baixo – levam inevitavelmente a atrasos que por vezes os utentes não compreendem.

“Aqui um doente não é um número numa cama. O atendimento é muito personalizado”, reforça Laurinda Leitão.

Num horário com tempos para consultas programadas, intersubstituição (para responder aos utentes sem médico), para doentes de risco (diabetes, hipertensão), planeamento familiar, saúde infantil e materna, atos de medicina preventiva (como rastreios), ações de educação para a saúde – este ano sobre o tema do excesso de peso e obesidade -,há ainda espaço para visitas domiciliárias.

“Aqui estamos no nosso ambiente, com uma calma que não há no centro de saúde”, disse à Lusa Rosarinho, a doente de Laurinda Leitão que sofreu um acidente grave e que é acompanhada em casa pela médica que a conhece desde criança e que assistiu o seu pai, também em casa, na fase terminal da doença.

“É um apoio muito importante para o doente e para a família”, frisou a mãe, Maria Crisanta Cordeiro, sublinhando a relação “já de amizade, de cumplicidade” com a médica.

“A ida a casa permite-nos também conhecer o contexto, o suporte familiar, tão importante sobretudo em doenças terminais”, disse Laurinda Leitão, recordando em particular o jovem de 27 anos com um tumor cerebral que acompanhou durante um ano, ajudando depois a família no luto.

“A satisfação vem da sensação de que se conseguiu diminuir o sofrimento e melhorar a qualidade de vida” de um utente, frisou.

À multiplicidade de tarefas junta-se a da orientação de internatos e estágios. Na USF do Planalto há oito internos da especialidade (dois deles prestes a concluir os quatro anos de formação), três internos de ano comum e uma estudante do último ano de medicina, e ainda enfermeiros em formação, aproveitando a existência de duas enfermeiras especialistas em saúde materna e obstetrícia e em saúde infantil.

Além dos tempos para consulta e das debilidades da rede que suporta o sistema informático, a grande frustração dos profissionais vem do facto de, por trabalharem numa USF classificada de tipo A (por fatores que lhes são estranhos, como a necessidade de cobrirem a falta de recursos humanos), não usufruírem dos incentivos atribuídos aos que, no mesmo espaço, trabalham numa USF de tipo B.

"Com os incentivos que recebem, uma administrativa chega a ganhar mais que eu", desabafou à Lusa um dos internos a terminar a especialização e para quem são incompreensíveis as diferenças salariais devido a critérios não centrados no doente mas nos custos, mesmo reconhecendo a necessidade de algumas correções a práticas do passado.

"O lado bom é o reconhecimento dos doentes. Conseguimos ajudar muita gente e isso dá-nos alento", rematou.