5 de fevereiro de 2014 - 14h07
Um estudo português recente revela que muitos profissionais de saúde não estão preparados para lidar com a mutilação genital feminina, com quase metade dos inquiridos a não reconhecerem uma situação destas, apesar de trabalharem na saúde reprodutiva.
A investigação resultou do preenchimento de inquéritos distribuídos entre abril e junho de 2008 a profissionais de saúde da Maternidade Alfredo da Costa (MAC).
Dos 112 inquéritos considerados válidos - respondidos por médicos, enfermeiros e auxiliares de ação médica e administrativos – 44 referiam-se a profissionais que já tinham observado pelo menos uma mulher com MGF.
“O facto de nove dos inquiridos já terem sido abordados por uma sequela da prática de MGF e um já ter sido solicitado para a realização da prática traduz que a prática da MGF existe em Portugal”, lê-se no artigo, publicado na Ata Obstétrica e Ginecológica Portuguesa, o órgão oficial da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia.
59% dos profissionais consegue reconhecer situação
Ao contrário do que os autores do estudo esperavam – uma vez que os profissionais que trabalham numa área dedicada à saúde materna e reprodutiva, como a MAC, são a quem as mulheres mutiladas poderão mais frequentemente recorrer por complicações, sequelas e durante a gravidez – “apenas 59 por cento dos inquiridos admitiram saber reconhecer na sua prática clínica uma situação de MGF".
“É significativo que nove médicos e 17 enfermeiros tenham assumido que não saberiam reconhecer uma situação de MGF na sua prática clínica e que, 80 por cento dos inquiridos (entre os quais 26 médicos) tenham admitido não se sentirem preparados para reconhecer e abordar uma situação clínica de MGF”, escrevem as médicas.
O trabalho foi conduzido pelas médicas nternas Sandra Barreto e Vera Cunha, pela diretora do serviço de medicina materno fetal da MAC, Ana Campos, e a chefe de divisão da saúde reprodutiva da Direção Geral da Saúde, Lisa Vicente, no trabalho.
Para colmatar esta falha, estão previstas ações de formação para profissionais de saúde no III Programa de Ação para a Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina (III PAPEMGF), que entrou em vigor no início de janeiro deste ano e está em vigor até 2008.

180 mil meninas em risco
A Amnistia Internacional recorda que 180 mil meninas vivem em risco de serem submetidas à mutilação genital feminina, só na Europa, onde se estima que vivam 500 mil mulheres afetadas pela prática.
A Amnistia está ainda preocupada com a possibilidade de as vítimas – adultas ou menores – não estarem a receber tratamento adequado na Europa, por falta de “linhas de orientação ou formação” sobre a proteção que lhes deve ser concedida.
Em Portugal, desconhece-se a dimensão do fenómeno. A base de dados sobre a matéria já foi elaborada pelos serviços de saúde, mas o tratamento da informação está ainda dependente de autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Estima-se que 140 milhões de mulheres tenham sido submetidas à mutilação genital feminina em todo o mundo e que três milhões de meninas estejam em risco anualmente. 
Lesões irreversíveis
A prática, que causa lesões físicas e psíquicas permanentes, é mantida em cerca de 30 países africanos, entre os quais a lusófona Guiné-Bissau, onde se estima que 50 por cento das mulheres sejam afetadas.
A mutilação genital feminina é feita de diversas formas: em algumas corta-se o clítóris, noutras os grandes e os pequenos lábios. Uma vez concretizada, é irreversível e se a vítima sobreviver irá sofrer consequências físicas e psicológicas permanentes. 
Além do sofrimento que as mutiladas sente no momento do corte, o processo de cicatrização é acompanhado com frequência por infeções, devido ao uso de utensílios contaminados, e dores ao urinar e defecar. A incontinência urinária e infertilidade são outras das sequelas.
O facto de serem usadas as mesmas lâminas para mutilar várias crianças aumenta o risco de se contrair o vírus da SIDA.
Além da mãe, também os recém-nascidos podem sofrer com a mutilação. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a taxa de mortalidade infantil é mais elevada em 55 por cento em mulheres que sofreram uma mutilação de tipo III (a infibulação, que consiste em fechar a abertura vaginal).

SAPO Saúde com Lusa