Compreendida por uns e ignorada por muitos, a hepatite é uma doença sem rosto que afeta cerca de 300 mil portugueses. Emilia Rodrigues, presidente da associação SOS Hepatites, declara, em entrevista ao SAPO Saúde, que a principal batalha ainda por conquistar, na arena da exclusão, passa por consciencializar as pessoas para a realidade da hepatite e, assim, acabar com a discriminação inerente a ela.  

SAPO Saúde (S.S.): Este ano, a campanha da Aliança Mundial contra a Hepatite, tem como ponto de partida o provérbio «Os três macacos sábios», podia explicar a relação entre o nome da campanha com o combate à exclusão de pessoas com hepatite.

Emília Rodrigues (E.R.): Não ver e não ouvir é o “não querer saber” da maioria da população.
O não falar é o silêncio a que os doentes, na sua maioria, fazem! E este silêncio deve-se ao facto de a doença ser, infelizmente, conetada com o consumo do álcool, sexo e o consumo de drogas.

A campanha deste ano “Está mais perto do que pensa” conjugada com os “três macacos sábios” é o alerta para que se faça o rastreio. Para que se pense, se veja e sobretudo se fale.

S.S.: A SOS Hepatites lançou, neste mês de julho, uma nova ferramenta interativa para portadores de hepatite B, a Path B. Qual o objetivo deste ponto de comunicação?

E.R.: O PATH B é uma ferramenta de informação e apoio para o doente e familiares. Ensina/explica de uma forma simples o que é a hepatite e como se transmite, como ler o resultado das análises e, sobretudo, ajuda o doente a fazer um diário com a descrição dos sintomas, as tomas, perguntas a fazer ao médico, resultado das análises (com hipótese de gráfico) e dúvidas. Para além do doente, o médico especialista pode, também, acrescentar dados neste “diário”.

S.S.: Quais são as estatísticas do flagelo da hepatite em Portugal?

E.R.: Infelizmente não existem estatísticas. Temos dados estimativos fornecidos pela OMS. E assim teremos cerca de 120.000 portadores de hepatite B e cerca de 150.000 a 170.000 de portadores de hepatite C.

S.S.: Quais são as principais situações de risco para contrair uma doença hepática?

E.R.: Na hepatite B o risco de contágio é através do contato sanguíneo e de sexo não protegido (sem preservativo). Na hepatite C, o risco de contágio é através do contágio sanguíneo.

Alertamos para a NÃO partilha de objetos susceptivel de fazer sangue, nomeadamente as tesouras e os alicates da unhas, as escovas de dentes, as laminas e as máquinas de barbear, todo o material utilizado para injetar drogas incluindo as “caricas”.

S.S.: Como se manifesta a discriminação perante as pessoas infetadas com hepatite?

E.R.: Das mais diversas formas. Desde o cônjugue/companheiro que pede o divórcio, ao filho que proíbe o pai/mãe de ver o neto. Na classe médica desde o dentista que se recusa a ver o doente, ao enfermeiro que se recusa a fazer um parto, e “fecham” a parturiente num quarto sozinha com uma pulseira de cor diferente…
No trabalho: Desde a separação das loiças, nas copas, ao obrigar o doente a trabalhar de luvas no computador.
A maioria dos amigos desaparece… simplesmente.

S.S.: Existe um padrão psicológico das pessoas com hepatite?

E.R.: Devido à conexão da doença com o álcool, o consumo de drogas, e ao sexo (prostituição) a maioria dos doentes tem vergonha de estar infetado. Sentem depois medo de morrer de cirrose ou de cancro.

S.S.: Como lidam os familiares e amigos destas pessoas? São cooperantes ou existem muitas situações de desprezo para com os doentes?

E.R.: Depende muito.

Há familiares que aceitam, apoiam e acompanham os doentes, e outros que não entendem.
Nos amigos… é o que chamamos a separação “do trigo do joio”. É a hora de se verificar quem são os verdadeiros amigos e quem são somente os “conhecidos”. Estes últimos, por estigma e desinformação, desaparecem.

S.S.: De que forma o cidadão comum pode ajudar as pessoas infetadas com hepatite?

E.R.: Da mesma forma que sempre o tratou.

Devemos pensar que o cidadão comum pode ser uma pessoa infetada sem o saber. O portador de hepatite B ou C está, na maioria dos casos, infetado há muitos anos pelo que sempre o conhecemos assim. E sem ter receios. Quando o portador descobre que o é continua a “ser hoje a pessoa que era ontem”

S.S.: Que batalhas ainda precisam de ser ganhas para vencer a guerra da hepatite e sua exclusão?

E.R.: A principal batalha a ser ganha é a do conhecimento e da dismistificação.

Aproveito para enviar as questões de um folheto que distribuímos nas nossas campanhas de ruas para avaliação pessoal da necessidade de fazer o rastreio:

Avalie o SEU risco de ter Hepatite B:
•    Anda cansado/a?
•    Sente pressão no abdómen?
•    É ex-combatente?
•    Foi operado antes de 1992 (mesmo pequena cirurgia)?
•    Deu ou recebeu sangue antes de 1992?
•    Fez algum aborto (mesmo que há muito tempo)?
•    Tem análises com valores elevados (nomeadamente a ALT)?
•    Consome (ou consumiu) drogas inaláveis/injectáveis?
•    Tem tatuagens e/ou piercings?
•    Tem múltiplos parceiros sexuais?
•    Faz/fez sexo sem preservativo?

SE respondeu SIM a alguma destas perguntas, consulte o seu médico! FAÇA o RASTREIO!

27 de julho de 2012

@Vânia Correia