Estas questões surgiram na prática clínica, mais concretamente nos Serviços de Cirurgia A e de Anatomia Patológica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Os médicos foram procurar respostas na ciência.

Em colaboração com a Clínica Universitária de Cirurgia III da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), um grupo de investigadores, coordenado pelo cirurgião Henrique Alexandrino, realizou o primeiro estudo clínico em Portugal focado em investigar as consequências da quimioterapia sobre o fígado dos doentes com metástases de Cancro Colorretal e o seu impacto sobre as complicações pós-operatórias.

As metástases são uma das principais causas de morte por Cancro do Colon, surgindo em cerca de 60 por cento dos casos, sendo que o fígado é um dos órgãos mais afetados pela disseminação (metastização) deste tipo de tumor.

A cura pode passar pela ressecção cirúrgica, ou seja, pela remoção de parte do órgão. No entanto, só 20 por cento dos pacientes são candidatos a cirurgia desde o início. Os restantes têm de efetuar primeiro quimioterapia. E aqui aparece o grande problema. Se por um lado a quimioterapia aumenta bastante a possibilidade de cirurgia, por outro pode causar lesões graves no tecido hepático, desencadeando um conjunto de complicações pós-operatórias, tais como insuficiência hepática.

O estudo, já publicado no European Journal of Surgical Oncology, foi tema de duas teses de Mestrado Integrado de Medicina da FMUC e envolveu 140 doentes seguidos no CHUC. A equipa "verificou que a lesão mais frequentemente provocada pela quimioterapia no tecido hepático, Síndrome de Obstrução Sinusoidal (SOS), é responsável pelo aumento do risco de complicações pós-operatórias, impedindo a regeneração do fígado. No entanto, observou-se que nem todos os doentes desenvolvem esta lesão", explica o coordenador da investigação, distinguida com o prémio "Melhor Comunicação" no XXXVI Congresso Nacional de Cirurgia, realizado recentemente na Figueira da Foz.

A chave para resolver o problema, acredita Henrique Alexandrino, «poderá estar na mitocôndria, organelo celular responsável pela produção de energia. As mitocôndrias são fundamentais para a regeneração do fígado mas podem estar a ser prejudicadas pela lesão do tipo SOS, impedindo assim a adequada recuperação do fígado e do doente.»

Perceber como a lesão SOS condiciona a função das mitocôndrias é o próximo passo da investigação, estando já em curso experiências em modelos animais, no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

Os resultados obtidos noutros estudos clínicos realizados «são muito promissores. Além de revelarem a importância das mitocôndrias na regeneração do fígado, abrem caminho não só para o desenvolvimento de novos fármacos para melhorar a regeneração hepática, como também para o avanço de novas estratégias cirúrgicas, aperfeiçoando técnicas que possibilitem aumentar o número de pacientes candidatos à cirurgia hepática, assegurando uma recuperação eficaz», salienta o também investigador da FMUC.