Carla Sousa, entomologista e investigadora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical falava em entrevista à Lusa depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) elevar de baixo para moderado o risco de propagação do vírus Zika na Europa este verão, em particular na Madeira e na costa do Mar Negro.

Sem se mostrar surpreendida com a decisão da OMS, Carla Sousa explicou que o alerta para a ilha da Madeira e para a costa do Mar Negro se deve à existência, nesses dois pontos da Europa, de populações do mosquito Aedes aegypti, o mais competente para a transmissão do Zika.

No entanto, uma outra espécie que já se provou em laboratório transmitir a doença, o Aedes albopictus, colonizou 20 países na Europa desde os anos 80 e tem vindo a descer a costa sul de Espanha em direção ao Algarve.

"Portugal, desde há duas ou três décadas, quando vemos mapas de risco para a introdução destes mosquitos, por questões geográficas, históricas e agora por questões económicas, é sempre um território de alto risco para a introdução de qualquer uma destas espécies", disse Carla Sousa.

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Ambas as espécies transmitem também Dengue, Chikungunya ou febre-amarela, doença que já fez mais de 2.500 casos suspeitos e 299 mortos em Angola. Os insetos transmitem doenças que matam mais de um milhão de pessoas por ano em todo o mundo e todos os anos registam-se mais de mil milhões de casos de patologias como malária, dengue ou febre-amarela.

Tradicionalmente, a migração destes mosquitos faz-se no transporte de cargas, nomeadamente de pneus usados ou de bambus da sorte, plantas que foram moda há alguns anos.

Com transporte terrestre por toda a Europa e trocas comerciais regulares com países que têm populações destes mosquitos, Portugal tem muitas 'portas de entrada'. As migrações humanas são outro meio preferencial.

O mosquito que existe na Madeira, por exemplo, será originário da Venezuela ou do Brasil, o que "faz sentido", tendo em conta as tendências migratórias, explicou a entomologista: a Venezuela tem uma vasta comunidade de madeirenses e a Madeira tem vindo a ser muito procurada por imigrantes brasileiros, logo há correntes migratórias de saída e de entrada.

Os ovos dos mosquitos sobrevivem até seis meses mesmo sem água e podem ser transportados de uma zona endémica para uma zona livre num simples prato, daqueles que se põe debaixo dos vasos e que acumulam sempre alguma água, contou Carla Sousa.

Ao chegar a um novo destino, basta que o prato volte a servir de recetáculo para água para os ovos eclodirem e darem origem a uma nova população.

Como cada fêmea distribui por vários pontos os cerca de 200 ovos que põe por postura, cada pratinho poderá ter ovos de várias fêmeas diferentes, o que é "uma grande vantagem do ponto de vista da sobrevivência", disse a entomologista.Vantagem para o mosquito equivale a dizer desvantagem para os humanos.

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Impedir a entrada de mosquitos é difícil, por isso o trabalho das autoridades concentra-se na vigilância, para detetar precocemente a presença de uma comunidade invasora e tomar medidas para tentar erradicá-la enquanto ainda é frágil.

"Mas o primeiro sinal de alerta muitas vezes nem vem dos sistemas de vigilância. A grande maioria das vezes, vem da população local", já que estes mosquitos são muito agressivos, picam até através de calças de ganga, e a picada provoca reações alérgicas fortes.

No entanto, desde que surgem as primeiras queixas no centro de saúde até as autoridades suspeitarem de uma espécie invasora, "geralmente já se passou muito tempo".

Como para haver um surto de uma doença destas é preciso haver simultaneamente e no mesmo lugar uma população humana suscetível, o vírus causador da doença e uma população de mosquitos competentes para transmiti-lo, evitar a instalação dos insetos é uma boa aposta.