O sociólogo e enfermeiro estudou ao longo de um ano dois mil óbitos e o percurso da vida inteira dessas pessoas e percebeu que as desigualdades sociais, mais do que as diferenças de género ou geográficas, são determinantes na saúde e no tempo de vida.

Em média, as pessoas de classes sociais mais elevadas, com maior escolaridade e com profissões técnico-científicas vivem em média mais dez anos do que os trabalhadores de profissões manuais, com menos estudos e de classes sociais mais desfavorecidas. Para estes resultados de saúde contribui em grande parte o tabaco, uma vez que as pessoas com mais escolaridade deixaram maioritariamente de fumar antes dos 65 anos, ao passo que os mais pobres fumam mais e durante mais tempo, muitas vezes até ao fim da vida, sendo que morreram mais cedo do que os que deixaram de fumar.

O consumo de tabaco diminuiu 5% desde a alteração da lei, e apesar de haver menos rapazes fumadores, continua a aumentar o número de raparigas que fumam, assim como estão a aumentar os cancros de pulmão em mulheres.

De acordo com Ricardo Antunes, os comportamentos tabagistas estão frequentemente associados ao álcool e a profissões ligadas à indústria, à agricultura e à construção civil. A baixa escolaridade destas pessoas leva a que acreditem que fumar e beber só faz mal aos outros, não a quem é forte, não a pessoas que têm profissões de risco e de força, explica.

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Mais do que isso, é mesmo um comportamento de grupo, de aceitação, e até os jovens nessas profissões começam a fumar e a beber cedo, porque há todo um contexto que os conduz a esses comportamentos.

“Nas profissões relacionadas com o risco físico – como o trabalho em andaimes ou com tratores – o fumar e beber é quase um prolongamento do risco. É uma representação de força, é só para os fortes. Os consumos de risco têm esse paralelismo por isso: são pessoas que podem arriscar”, explicou à Lusa o sociólogo. Já as pessoas com maior escolaridade e pertencentes a classes sociais mais altas, que têm profissões técnico-científicas e mais ligadas a serviços - como médicos, advogados, professores, arquitetos -, tendem a deixar de fumar em determinada altura da vida, normalmente ainda antes dos 65 anos.

Excluindo o surgimento de doença, que é um fator que também se revelou determinante para a cessação tabágica, estas pessoas deixam de fumar porque “têm uma perceção mais profunda das coisas” e têm consciência do risco real desse tipo de consumo.

“A escolarização ajuda a destruir mitos”, explica o sociólogo, acrescentando que as pessoas mais informadas acabam por querer adotar, em determinada altura, um estilo de vida mais saudável.São pessoas que deixam de fumar e esta cessação do tabaco vem associada a uma mudança mais vasta de comportamentos.

“As pessoas adotam outras representações. Mudam tudo. Deixam de fumar e reduzem o consumo de álcool, nos casos em que bebiam em excesso (este foi um padrão claro encontrado nos óbitos] e procuram fazer uma alimentação mais saudável”, disse o investigador. Há a opção por uma “saúde mais preventiva, mais estratégica”, em que as pessoas tentam “antecipar-se ao surgimento da doença”. Outro fator diferenciador entre as duas classes é a “autonomia”, pois são os mais escolarizados que têm vidas e profissões com mais liberdade e este revelou-se um aspeto associado também à escolha de deixar de fumar.

Os profissionais de trabalhos mais duros, não só os referidos, mas também outros de componente industrial – como caixas de supermercado ou trabalhadores de call-centers -, muito rotinizado, com as mesmas vestes, com níveis de liberdade reduzidos e autonomia quase nula, encontram-se igualmente entre os grandes fumadores, acrescentou.