No Hospital Miguel Bombarda já “viveram” centenas de doentes. Alienados, como lhes chamavam. Hoje, são 27 que até finais de abril serão distribuídos por duas instituições, com alguns a manifestarem pena e outros a não esconderem a ansiedade pela mudança.

“É pena isto acabar, porque é impecável”, desabafa Zé Pedro, 42 anos e os últimos 16 em internamento, primeiro no Hospital Júlio de Matos e, depois, no Miguel Bombarda, onde ainda vive.

Zé Pedro é um dos 27 doentes de internamento prolongado que persistem nesta instituição. Tem, tal como os outros 26, um percurso de vida pesado.

Da tentativa de suicídio numa linha de comboio guarda a falta das duas pernas. Dependeu de drogas, mas agora garante que está limpo e não vai voltar a “fazer asneiras”. Vícios, só o do “seu” Benfica, eterno mote de conversa entre doentes e pessoal clínico.

Sabe que em breve o Miguel vai fechar as portas. Tem pena, mas reconhece que a mudança lhe proporcionará maior autonomia.

A emancipação dos doentes está, aliás, a ser “treinada” com a ajuda dos profissionais, como contou à Lusa a enfermeira Ana Santos, há mais de 15 anos a trabalhar na área da saúde mental, os últimos dos quais no Miguel Bombarda.

“Estamos todos a fazer uma caminhada: eles [doentes] e nós [profissionais]. Por isso, é inevitável alguma ansiedade, mas vai correr tudo bem”, disse.

A maior parte destes doentes tem este hospital psiquiátrico como a sua casa. As visitas são raras e os familiares poucas vezes estão presentes. Ainda assim, alguns aparecem após a morte dos doentes, mas para receber a pensão que estes foram amealhando.

Ricardo França Jardim, diretor clínico da instituição, explicou à agência Lusa que a grande maioria destes doentes sofre de esquizofrenia crónica, uma faixa etária elevada e muitos anos de institucionalização.

Por esta razão, contam todos com a medicação que é tomada, mediante observação, em alguns casos várias vezes por dia. O objetivo é evitar que os doentes descompensem.

O especialista salientou que é graças à medicação que a resposta na saúde mental mudou tanto no último meio século, proporcionando uma abertura à comunidade impensável aquando da criação do Hospital Miguel Bombarda, em 1848, na altura designado de “Hospital de Alienados em Rilhafoles”.

Com o fim do Miguel Bombarda, “acaba um modelo do século XIX que está ultrapassado do ponto de vista metodológico. Na altura tínhamos uma psiquiatria fundamentalmente de proteção dos doentes e da sociedade em relação a estes”, lembrou.

As mudanças demoraram a sentir-se nesta área. França Jardim sublinha que só nos anos 90 é que o doente passou a ser tratado como único e a ter direito a algo tão simples como a identificação pelo nome e roupas próprias.

Ao longo dos 43 mil metros quadrados de terreno onde está situado este hospital, são visíveis as heranças da “terapia” nesta área, como é o caso do balneário – classificado como de interesse público – onde os banhos eram tidos como “terapêuticos”.

Visivelmente degradado, este espaço deverá, mesmo depois do fim do hospital, ser recuperado e fazer parte do futuro museu da medicina.

Igualmente com classificação de interesse público, e também para incluir no futuro museu, o pavilhão de segurança já está visitável e mostra como os inimputáveis estavam presos num edifício arquitetonicamente redondo, sem arestas, distribuídos por pequenas celas.

Parco em doentes, o hospital é, hoje em dia, mostra de instrumentos e técnicas utilizados nos últimos séculos – como a célebre camisa de forças, usada entre 1930 e 1950 - bem como de um acervo com obras de arte dos pacientes, entre os quais o pintor e poeta Ângelo de Lima, internado até ao final da sua vida, com 49 anos, em 1921.

Em 2009, este imóvel foi vendido à sociedade Estamo, detida pela empresa pública Parpública, por cerca de 25 milhões de euros.

17 de março de 2011

Fonte: LUSA/SAPO