A descoberta foi demonstrada pelos corpos despedaçados e ossos fraturados estudados pela cientista Hélène Rougier. "É irrefutável, o canibalismo era praticado aqui", assevera o arqueólogo belga Christian Casseyas, enquanto percorre a chamada terceira caverna de Goyet, situada num pequeno vale perto das Ardenas belgas, no sul do país.

Os restos mortais estudados têm mais de 40.000 anos, quando a presença dos neandertais no planeta Terra estava perto de chegar ao fim para dar lugar ao homem de Cro-Magnon, o nosso ancestral direto, com o qual coabitaram.

Durante anos, os homens de Neandertal, com um cérebro um pouco maior do que o do homem moderno, foram considerados seres selvagens, apesar de cuidarem dos corpos dos mortos, como demonstram algumas sepulturas da época.

Hoje sabemos que eles também comiam os seus pares. No entanto, já tinham sido detetados alguns casos de canibalismo em populações de neandertais estabelecidas em Espanha (El Sidrón e Zafarraya) e em França (Moula-Guercy e Les Pradelles), mas nunca antes num país do norte da Europa.

As cavernas de Goyet, ocupadas desde o Paleolítico, são galerias de calcário de 250 metros de comprimento, esculpidas naturalmente pelo Samson, um pequeno riacho a poucos metros das cavernas.

Veja ainda10 mutações genéticas que lhe dão autênticos superpoderes

Leia tambémO que dizem os segredos da genética sobre o seu corpo?

Em 2004, Patrick Semal, diretor de antropologia do Instituto de Ciências Naturais de Bruxelas, encontrou entre os ossos da coleção do instituto um fragmento de mandíbula de um neandertal.

Os cientistas começaram, então, um longo trabalho para reexaminar as ossadas. A equipa internacional liderada pela antropóloga francesa Hélène Rougier, da California State University Northridge, nos Estados Unidos, conseguiu demonstrar que em Goyet o homem de Neandertal era antropófago.

Vários ossos humanos que pertenceram a seis indivíduos (um recém-nascido, uma criança e quatro adultos ou adolescentes) têm sinais de que foram cortados "para serem desarticulados e para que a carne fosse retirada", explica Christian Casseyas. "Da mesma forma que partiam os ossos de renas e de cavalos que encontrámos na entrada da caverna, eles partiam os ossos humanos para extrair a medula", acrescenta o arqueólogo, que acompanha os turistas que visitam Goyet.

Hélène Rougier confirmou à agência de notícias France Presse que "alguns neandertais morreram e foram comidos" na gruta, a primeira constatação deste fenómeno no norte da Europa.

O seu estudo sobre a caverna belga foi publicado em julho pela Scientific Reports, uma publicação do grupo Nature. "Alguns dos ossos também serviram como ferramentas", explicou Rougier.

No entanto, as razões deste canibalismo e até que ponto estaria ou não disseminado continuam a ser um mistério. "Talvez fosse apenas para alimentação, mas também poderia ser algo simbólico. As hipóteses estão abertas", diz Rougier.