“Eles têm mais receio de ser alvo de estigma e discriminação do que as mulheres”, explicou Francisco Mbofana, secretário-executivo do Conselho Nacional de Combate ao HIV e Sida, em entrevista à Lusa.

A mulher é observada mais vezes pelos serviços de saúde, seja por causa da gravidez ou no pós-parto, enquanto o homem ainda parece fugir do diagnóstico e do tratamento.

Esta situação atrasa Moçambique numa corrida em que enfrenta o risco de falhar as metas internacionais, a “estratégia 90-90-90”: conseguir que, até 2020, 90% da população saiba se está infetada, ter 90% das infeções em tratamento antirretroviral e alcançar 90% de supressão viral - em que a possibilidade de transmissão do HIV é mínima. Moçambique está longe de alcançar qualquer um dos ‘90’.

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Francisco Mbofana estima que 50% a 56% da população conheça hoje o seu próprio diagnóstico, que o tratamento antirretroviral chegue a 60% das pessoas infetadas e, embora haja poucos dados, que menos de 40% destes tenha alcançado a supressão viral.

Moçambique tem feito progressos: registava 120 mil novas infeções em 2010 e estabeleceu como meta uma redução de 75% até 2020, ou seja, ter menos de 30 mil por ano.

No entanto, a cerca de três anos da meta, o número ronda as 83 mil infeções anuais e o país continua a ser o segundo da África Austral e Oriental com maior número de novas infeções por ano, depois da África do Sul, segundo dados da agência ONUSIDA de 2016.

“Não é o ritmo de redução desejável”, reconheceu Francisco Mbofana, que reafirmou a necessidade da prevenção secundária, através de diagnóstico e cumprimento integral do tratamento antirretroviral por forma a alcançar a supressão viral.

“Quem segue o tratamento com rigor alcança a supressão viral, ou seja, a sua capacidade de transmissão fica reduzida em 96%”, referiu.

Por outro lado, disse o sistema disponível para atender toda a gente “é uma estrutura debilitada, pelo que “investir na prevenção” é uma “opção inteligente” para “reduzir o número de pessoas que vão precisar de tratamento” e “dar o melhor” aos que estão infetados, acrescentou.

Face à estratégia 90-90-90, Moçambique pretende levar a todo o país a abordagem “testar-iniciar”, ou seja, se o diagnóstico for positivo, iniciar tratamento antirretroviral, procedimento em implementação nas capitais provinciais.

O tratamento deve arrancar “até um mês depois do diagnóstico”, o que é “complicado”, porque se tratam de pessoas aparentemente saudáveis, logo mais resistentes a ser medicadas, mas em que os antirretrovirais podem ser mais eficientes, porque a carga viral dos portadores não é muito elevada.

Depois do diagnóstico, o desafio passa pela adesão e retenção, pois, de um modo geral, três em cada dez pessoas que entram em tratamento abandonam-no ao fim de 12 meses - e os homens são um caso mais complicado que as mulheres.

Pelo menos durante a gravidez “a mulher segue o tratamento antirretroviral, porque compreende que é importante para não passar a infeção para a criança. Segue mais alguns meses durante a amamentação, mas depois disso já não vê necessidade. Nisso é igual ao homem, que quase sempre desiste do tratamento” e assim torna-se difícil de ter 90% de infetados sob tratamento.

“O tratamento não pode falhar”, para haver supressão viral, e aqui “os desafios ainda vão além do indivíduo e têm a ver com a família e a comunidade que podem ajudar [a enfrentar] questões de estigma”.

“As pessoas com receio de discriminação acabam não tomando medicamentos” com receio de ser identificadas e postas de parte.

O CNCS tem “intervenções em curso nas unidades sanitárias, mas também ao nível das comunidades e famílias, com quem os indivíduos passam a maior parte do tempo”, com vista à sensibilização para a doença, explicando que não pode levar à discriminação.

As iniciativas envolvem organizações não-governamentais (ONG), autoridades tradicionais, estruturas de bairro e líderes religiosos.

Só ao nível das ONG, Francisco Mbofana estima que haja cerca de mil entidades envolvidas no combate à sida, uma tarefa em que todas as ajudas são bem-vindas.