Nelson Olim, o cirurgião português que opera em cenários de guerra
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“Eu não tenho mesmo ideia de quantas missões. Deixei de contar para aí há cerca de um ano”, admite o cirurgião português, que tem seguido em particular os conflitos na Nigéria, Sudão do Sul, em Gaza e Israel, no Líbano, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Arménia e Azerbaijão e também Ucrânia e Honduras.

Em quatro anos de participação em missões e em dois anos e meio a trabalhar na sede do Comité Internacional da Cruz Vermelha, em Genebra, Nelson Olim viveu experiências mais extremas do que a esmagadora maioria dos cirurgiões no mundo, mas garante que nunca sentiu a sua vida diretamente ameaçada.

“Temer pela vida, eu nunca senti. Nunca senti a minha vida ameaçada. Apesar de ter estado em contextos onde a maioria dos mortais não gostaria de estar, nomeadamente no Afeganistão, no Iraque, no Iémen, situações que são muito tensas, acho que nunca senti diretamente a minha vida ameaçada. Já estive em cenários onde havia bombardeamentos relativamente perto e onde ouvíamos durante a noite inteira bombas a cair. Mas nunca senti que fosse um alvo ou que o Comité fosse um alvo”, afirma em entrevista.

Uma das situações mais tensas da carreira

No Iémen viveu uma das situações mais tensas da sua carreira. Em busca de feridos que tinham sido “raptados” de um hospital militar, Nelson Olim foi parar a um hospital clandestino, improvisado numa mesquita, que estava cercado e vigiado por homens armados com ‘kalashnikov’ que iniciaram uma aproximação hostil, numa escalada de queixas dirigidas ao Comité. Mas também esta situação acabou por resolver-se pelo diálogo e através da oferta de ajuda.

Contudo, um dos momentos “mais angustiantes” da vida profissional deste cirurgião não esteve ligado à sensação de ameaça mas antes à de impotência. Foi no Sudão do Sul, quando num espaço de meia hora recebeu 200 baleados.

Encontrava-se em missão a operar num hospital com capacidade limitada a sete ou oito cirurgias por dia, que tinham de cessar ao pôr-do-sol, com o recolher obrigatório. Numa manhã, em meia hora, a equipa de saúde recebeu 200 baleados que iam chegando de helicóptero.

As frases mais ridículas ouvidas pelos médicos

“Acho que foi a primeira e única vez que chorei de frustração, por não ter conseguido fazer mais. O cenário era indescritível, com 200 pessoas feridas espalhadas numa sala, sabendo que teríamos de selecionar, triar uns quantos a quem ainda conseguiríamos fazer cirurgia naquele dia, que tínhamos recolher obrigatório e que muitos iam ficar por ali e muitos iam morrer naquela noite”, relatou.

Pertence já ao passado o cenário heroico de médicos a operar debaixo de árvores, porque há padrões de qualidade que atualmente o Comité da Cruz Vermelha não reduz. Há uma tentativa de elevar os padrões de assistência, o que obriga a ter uma logística que ponha no local os recursos necessários.

Apesar disso, as condições cirúrgicas estão muitas vezes longe do ideal: “Já operei muitas vezes em tenda onde a primeira coisa que fazíamos de manhã era passar um inseticida, esperar que todos os mosquitos caíssem, fazer a limpeza e começar depois a cirurgia”.

Foi precisamente numa dessas tendas, no Sudão do Sul, que ocorreu um episódio que arrancou sorrisos ao cirurgião português.

Uma doente em trabalho de parto há 24 horas obrigou a equipa de Nelson Olim a considerar a possibilidade de uma cesariana, num hospital montado numa tenda sem as condições ideais. Quando pensavam que teriam mesmo de optar pela intervenção cirúrgica, a parturiente acabou por concluir o parto de forma natural, com ajuda de oxitocina.

“Fui visitar a mãe e perguntei-lhe pelo nome da criança. ‘Doctor, Doctor Nelson’, foi a resposta. Tenho um homónimo no Sudão chamado Doctor Nelson”.

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