“Eu gostava de perceber quem é que tem interesses escondidos em dizer que as alterações climáticas não são reais. Se dissermos que são os cientistas que as inventaram, estamos a insultar alguns dos melhores cérebros. Serão eles desonestos? Estão a tentar aproveitar-se para seu próprio ganho?”, questionou.

Em entrevista à Agência Lusa, o ex-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (PIAC) das Nações Unidas afirmou que “é muito desonesto dizer que as alterações climáticas são um embuste”.

No organismo que liderou até 2015, há “milhares de cientistas que não recebem um cêntimo, mas que sentem a responsabilidade de dar o seu conhecimento à sociedade”.

Do lado do negacionismo, no qual se conta o atual Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, “age-se por pressão de lóbis que não querem que se faça nada”, afirmou Rajendra Pachauri.

Apesar disso, o laureado com o prémio Nobel da Paz atribuído ao PIAC, acredita que vale a pena continuar a trabalhar para mudar mentalidades e encorajar vidas com menos consumo de energia, com energias renováveis, desde já.

O facto de haver quem afirme que há conspirações a arquitetar a tese do aquecimento global “não é surpresa”, afirma, salientando que há “interesses muito fortes e poderosos” para evitar qualquer mudança, o que para os ativistas do clima significa “trabalhar muito mais”.

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“Temos bolsas de resistência, mas penso que a maioria das pessoas percebe que as mudanças climáticas são reais. E vêem-nas à sua volta, não conseguem fechar os olhos à realidade. Os impactos estão a piorar muito e as pessoas vão sofrer em consequência disso”, declarou. Quem está preocupado com o futuro do planeta e da civilização “tem que começar a agir, e sem demora”, defendeu.

Quanto aos milhões que votaram em Trump, “ainda não receberam a mensagem”, considerou. Se já tivessem consciência do que está em jogo, “Trump não tinha sido eleito. Temos que admitir que algumas pessoas têm uma mentalidade fechada. É uma pena que as sociedades humanas às vezes não tomem decisões racionais”, afirmou.

Os seres humanos “viciam-se numa determinada maneira de viver e não querem mudá-la”, apontou, o que para Rajendra Pachauri constitui “uma das falhas da natureza humana, uma certa inércia”. “Se temos um carro potente, gostamos de o guiar e cabe lá a família inteira mais o cão, pensamos: ‘por que é que tenho que desistir disto?’, embora seja uma das razões pelas quais temos alterações climáticas”, ilustrou.

Mas Rajendra Pachauri contesta que tenha que se abdicar de conforto em troca do futuro: “Se reduzirmos os gases que provocam o aquecimento global, também estamos a limpar os ambientes locais, o que traz muito mais conforto”. “Vejam-se as pessoas que passam o dia a tossir nas ruas de Pequim, Nova Deli ou da Cidade do México, onde há níveis elevados de poluição do ar. Para mim, isso não é uma existência confortável, mas sim muito perigosa”.

Os benefícios de inverter o aquecimento global, contrapõe, são tão grandes, com melhor ambiente, menos desperdício, mais produtividade agrícola, que aí é que está um elevado nível de conforto. Quanto a Portugal, afirmou que “é uma sociedade responsável, que sempre teve uma visão global” e disse esperar que “perceba que os problemas do mundo também são seus”.

Com centenas de quilómetros de costa suscetível à subida do nível dos oceanos, Portugal “vai crescer como um exemplo para o resto do mundo, combatendo as alterações climáticas sem deixar de ter as coisas boas da vida”. Essas coisas boas, a começar pelo clima ameno e as praias pelas quais Portugal é conhecido mundialmente, estarão irremediavelmente perdidas para as gerações futuras se não se agir. “Penso que nos próximos três a cinco anos vamos assistir a um grande movimento global para inverter o caminho”, previu, apontando os jovens como figuras de proa desse movimento.