O HPV não escolhe géneros nem idades. Não é um problema de saúde exclusivamente feminino – os rapazes também estão expostos ao vírus e podem desenvolver doenças para os quais não há rastreio. O HPV é um vírus cuja transmissão pode ocorrer através de qualquer tipo de contacto sexual e que é responsável por cancros do colo do útero, ânus, pénis, vagina e verrugas genitais. Falámos sobre esta infeção sexualmente transmissível com o médico Daniel Pereira da Silva, presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetricia e Ginecologia (FSPOG) e ginecologista no Instituto Médico de Coimbra.

É preciso ter comportamentos de risco para ficar infetado com HPV? 

A primeira grande característica do HPV reside no facto de se transmitir com extrema facilidade através das relações e ser muito frequente. Basta referir que 75% das pessoas sexualmente ativas, homens e mulheres, com menos de 50 anos de idade, estão ou já estiveram infetadas por qualquer tipo de HPV. Não é forçosamente necessário ter ou ter tido algum comportamento de risco, pelo que qualquer pessoa pode contrair a infeção, basta ter relações sexuais com um parceiro.

De notar que nem todos os tipos de HPV são igualmente perigosos. A maior parte das infeções são provocadas por tipos de baixo risco que não conferem nenhum perigo em termos oncológicos, mas dão muitas preocupações. Por exemplo, os tipos 6 e 11 não provocam cancro, mas umas verrugas (condilomas) que podem aparecer em todas as zonas de contacto sexual (genital, anal e oral). Induzem muita preocupação e são estigmatizantes. O tratamento dessas lesões nem sempre é eficaz à primeira tentativa e é necessário ter calma e insistir ao longo do tempo. Embora acabem por desaparecer, é um processo que provoca muita ansiedade.

O uso correto do preservativo pode conferir alguma proteção, mas não o faz a 100% porque não cobre toda a área de contacto sexual

Os HPVs mais perigosos são os de alto grau, porque são capazes de provocar lesões pré-cancerosas, que, se não forem detetadas e tratadas a tempo e horas, podem evoluir para cancro. Neste subgrupo os tipos 16 e 18 são os mais agressivos e, logo a seguir, os que preocupam mais são os tipos 31, 33, 45, 52 e 58. Esses 7 tipos em conjunto respondem por 90% dos casos de cancro do colo do útero, mas também por muitos casos de cancro de outros genitais, orofaringe e ânus, em mulheres e homens.

Existem mais de 120 tipos de HPV, dos quais 40 afetam maioritariamente os órgãos genitais. Quais os sintomas associados?

A fase de infeção não provoca nenhum sinal ou sintoma específico. Quando as verrugas genitais aparecem, preocupam e podem provocar algum desconforto local. As lesões mais graves nas fases pré-cancerosas não provocam nenhum sintoma, seja qual for a sua localização. No colo do útero é fundamental fazer a pesquisa do HPV ou a realização da citologia com regularidade, de modo a identificar as lesões que merecem tratamento.  Temos de estar atentos a todos os locais (tecidos) de contacto sexual, para chegar ao diagnóstico e tratamento precoce das lesões e, nessas circunstâncias, conseguem-se ótimos resultados.

Aconselhamos sempre a que não se espere pelos sintomas, eles podem não existir ou serem muito pouco percetíveis.

Porque é assintomático em algumas situações e noutras não?

De uma forma geral, só as lesões cancerosas provocam sintomas - secreções, incómodo local, sangramento e dor – porque são tumores, ocupam espaço e destroem progressivamente os tecidos circundantes. Como referi no ponto anterior, das lesões benignas, só os condilomas provocam sintomas e, mesmo neste caso, podem não ser expressivos, dependem do tamanho, número e localização das verrugas.

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“Se não tenho sintomas, não transmito HPV”. Esta afirmação é falsa, correto?

Absolutamente falsa e perigosa. Todos e qualquer um de nós pode estar infetado sem o saber e pode transmitir em absoluta ignorância desse facto. A infeção é assintomática. Não é uma questão de homens ou mulheres, não é uma questão de género. Quem tem ou teve relações sexuais pode estar infetado e transmitir mesmo sem sintomas.

Que outros tipos de mitos existem associados ao Papilomavírus Humano?

Outro é o de que se eu tenho HPV vou ter cancro. É falso, a maior parte das infeções passa sem darmos por isso. O problema é que não há nenhuma forma de garantir quando passa ou quando evolui para uma lesão pré-cancerosa e depois para o cancro.

Outro grande e perigoso mito é o de que é um problema dos outros, daqueles que têm este ou aquele tipo de comportamento. Nada mais falso. A infeção pelo HPV é inerente à prática sexual, ninguém está livre.

Quais são os grupos de risco para este vírus?

Esse é um grande mito. Repito que a infeção é muito comum e inerente às relações sexuais. O risco existe para quem teve ou tem relações sexuais.

As vacinas contra o HPV protegem contra todos os tipos deste vírus?

Não protegem contra todos os tipos de HPV, mas já temos vacinas muito abrangentes. As vacinas que estão disponíveis são muito diferentes nesse aspeto. Existem vacinas que protegem contra 2 ou 4 vírus, mas já temos uma vacina que protege contra 9 tipos de HPV: 2 de baixo grau (6 e 11) que causam as verrugas genitais e 7 de alto grau (31, 33, 45, 52 e 58) que respondem por 90% dos casos do cancro do colo do útero e um grande número dos cancro do pénis, anais e da cavidade oral.

Os rapazes também se devem vacinar? Porque é que a vacina é mais importante no sexo feminino do que no masculino? 

A carga da doença é maior nas mulheres que nos homens, por causa do colo do útero, mas os rapazes devem vacinar-se para sua proteção pessoal e para melhorar por essa via a proteção das companheiras/companheiros. A liberdade das opções sexuais é um imperativo do mundo contemporâneo desenvolvido. Por questões éticas e de equidade, a vacinação deve ser neutra de género. Devemos ser solidários na luta contra esta verdadeira pandemia que é a infeção pelo HPV.

Como se pode prevenir este género de infeções?

O uso correto do preservativo pode conferir alguma proteção, mas não o faz a 100% porque não cobre toda a área de contacto sexual, basta pensar nos tipos de prática sexual mais comuns. A proteção mais eficaz é a vacinação. As vacinas são seguras e conferem uma proteção altíssima. Sabemos que as mulheres nascidas desde 1992 têm a vacina disponível nos centros de saúde, no âmbito do programa nacional de vacinação, e que a taxa de cobertura é muito alta, superior a 90%, o que é notável.

Mas não devemos esquecer que as mulheres nascidas antes daquele ano não têm acesso gratuito à vacina e os rapazes não estão vacinados. Temos de fazer um investimento financeiro e adquirir a vacina individualmente. Para estes grupos são necessárias 2 ou 3 doses (o número de doses varia com a idade - 2 doses para indivíduos até aos 15 anos e 3 doses se tiver 15 ou mais anos), mas não só a vacina reduziu o preço, como o custo pode ser faseado em 13 meses, o tempo máximo para se completar o esquema de vacinação.

É um investimento que devemos fazer para as mulheres e rapazes que não foram vacinados.

Qual a importância de se continuar a apostar em Campanhas de Prevenção como esta lançada recentemente pela Liga Portuguesa Contra o Cancro?

Todos e cada um de nós tem muito em que pensar. Não nos faltam preocupações, às vezes prementes, que nos absorvem por completo. Por essa e outras razões, as campanhas são fundamentais e a Liga Portuguesa Contra o Cancro desempenha um papel da maior importância. É um alerta, é o despertar de questões menos presentes, mas não menos importantes. É preciso lembrar: “Mais vale prevenir que remediar”.

Os esclarecimentos são do médico Daniel Pereira da Silva, presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetricia e Ginecologia (FSPOG) e ginecologista no Instituto Médico de Coimbra.