Maria prostituiu-se durante um ano na rua. Estava desempregada, tinha três filhos e um neto para sustentar. Agora tem um emprego e volta ao posto de saúde móvel para rever os amigos que lhe deram alento.

Porque a vida desta Maria que não se chama assim ilustra a de quase meia centena de outras mulheres que o projeto “Gira-Lua” acompanha semanalmente desde 2004.

Maria tem 37 anos. Conta à Lusa que o caminho até achegar ao entusiasmo com que fala do emprego novo como cozinheira foi duro. Foi vítima de violência doméstica e quando se divorciou teve que fazer contas a um subsídio de desemprego magro a dividir por cinco bocas.

“Não tive alternativa. Tinha três filhos e um neto para criar. O subsídio de desemprego nem me pagava a renda de casa, quanto mais o resto. Não tenho família nem ajudas, estava sozinha. Foi duro, é violento. As mulheres passam mal. Não há prazer, há necessidade de dinheiro para sustentar os nossos”, disse.

O emprego novo, de que fala com entusiasmo, foi “a primeira oportunidade” que teve para sair daqui. Mas – de novo – “o caminho é duro. Com um trabalho normal o dinheiro é sempre pouco”. Esta manhã, Maria regressou à rua por umas horas: “Assumi o risco e vim fazer algum dinheiro enquanto não recebo o ordenado do restaurante”, contou.

Veio sentar-se na carrinha do posto móvel como era costume uma vez por semana. Hoje veio apenas para dizer olá aos amigos que lhe deram “ombro para desabafar, conselhos de amizade e de saúde e fôlego para trocar de caminho”.

A enfermeira Susana Guerreiro conta depois que a história do passado de Maria é comum à da grande maioria das mulheres que o “Gira-Lua” acompanha mas diz que o seu presente é quase singular.

“É difícil que as mulheres consigam manter o mesmo rendimento quando regressam ao trabalho noutras funções. Por isso nem sempre conseguem fazer essa transição e mudar de vida”, explicou.

O projeto, que acompanha a saúde destas mulheres – distribui preservativos, faz sensibilização, monitoriza boletins de vacinas, faz testes de VIH –, faz também um esforço para equilibrar os orçamentos das suas famílias.

“Tentamos ajudá-las a complementar os rendimentos dos seus empregos com alimentos do banco alimentar para lhes dar força e evitar que regressem aqui mas não há muitas a conseguir”, acrescentou a enfermeira.

Enquanto a carrinha segue o caminho do costume, em direção à reta de Coina, Susana Guerreiro vai traçando o perfil das suas utentes: mulheres entre os 30 e os 40 anos, que viveram sempre violência doméstica, a maioria imigrantes ilegais, desempregadas, com muitas pessoas a cargo, provavelmente vítimas de exploração sexual.

“Essa tem sido a tendência mas o espetro começa a alargar-se. Há cada vez mais casos de mulheres portuguesas que precisam de usar a prostituição como recurso para alimentar as suas famílias”, afirmou.

Essa é a história de Bela, que também não se chama assim, 44 anos, pele queimada pelo sol de muitas horas aqui, à beira da estrada, nos intervalos do emprego que não lhe dá muito mais do que um ordenado mínimo por mês.

É mãe de três, avó de dois. O marido sabe que está aqui, até lhe dá boleia quando pode. “Fazer isto não é motivo de orgulho, não é uma tarefa fácil, mas há muitas bocas para alimentar”, diz.

O projeto “Gira-Lua” é resultado de uma parceria alargada: a carrinha foi cedida pelo hospital Garcia de Orta no âmbito do projeto Saúde XXI, e o serviço funciona com os contributos do Agrupamento de Centros de Saúde de Seixal e Sesimbra, da Unidade de Cuidados da Comunidade do Seixal, e da autarquia (CDU), que assegura a manutenção da carrinha e os seus custos de funcionamento e faz posteriormente o acompanhamento das situações sociais mais delicadas. O mesmo veículo presta assistência a populações de bairros carenciados do concelho.

11 de julho de 2011

Fonte: Lusa