Duas em  cada três mutações genéticas responsáveis por cancro resultam de erros aleatórios que ocorrem quando as células se dividem, um processo essencial para a regeneração do organismo, segundo um estudo norte-americano publicado esta quinta-feira (23/03).

"Está amplamente comprovado que evitar certos fatores como o tabaco ou a obesidade reduz o risco de cancro", comenta Cristian Tomasetti, professor adjunto de bioestatística do Centro do Cancro da Universidade Johns Hopkins e um dos autores da investigação publicada na revista científica Science.

"Mas cada vez que uma célula normal se divide e replica o seu ADN para produzir duas novas células comete vários erros, um aspeto ignorado cientificamente", explica. Estes erros "são uma causa importante das mutações genéticas responsáveis pelo cancro e este fator é subestimado como causa determinante desta patologia", acrescenta.

No total, "66% das mutações cancerosas resultam de erros quando as células se dividem, enquanto 29% se devem a fatores ambientais e ao estilo de vida, e 5% à hereditariedade", especificou o médico Bert Vogelstein, codiretor do mesmo centro, em conferência de imprensa.

Ter cancro é um "azar"

"Na maioria das vezes, estas mutações são inofensivas, (...) mas ocasionalmente ocorrem em genes que desencadeiam o cancro. E isso chama-se azar ou má sorte", disse.

Em janeiro de 2015, Tomasetti e Vogelstein publicaram um estudo polémico que sugeria que mutações aleatórias do ADN - ou, em outras palavras, a "má sorte" -, são muitas vezes responsáveis pelo cancro. Um estudo publicado no final de 2015 na revista Nature contradisse estas conclusões, estimando que a maioria dos cancros são causados ​​por fatores ambientais, como o tabagismo, as substâncias químicas ou a exposição a raios ultravioleta.

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Para o trabalho publicado nesta quinta-feira, os pesquisadores da Johns Hopkins ampliaram significativamente o seu modelo matemático para incluir 32 tipos de cancro, assim como uma amostra da população e dados epidemiológicos mais amplos, provenientes de 69 países e que representam 4,8 mil milhões de pessoas.

Os cientistas determinaram que duas ou três mutações genéticas prejudiciais eram suficientes para desencadear um cancro, resultante do acaso, de um fator ambiental ou da predisposição hereditária. O fator sorte também varia segundo os tipos de tumores, determinou o estudo.

Assim, 77% dos casos de cancro do pâncreas são resultado de erros aleatórios do ADN na divisão celular, enquanto que 18% se devem a outros fatores, como o tabaco ou o álcool, e 5% à hereditariedade.

Já no caso dos cancros de próstata, do cérebro e de osso, 95% seriam resultado da má sorte na divisão celular.

Em relação ao cancro do pulmão, 65% dos casos são desencadeados pelo fumo e 35% por erros na replicação do ADN.

Os autores ressaltam a importância de continuar os esforços de prevenção. "Temos que continuar a encorajar as pessoas a evitarem os agentes químicos cancerígenos e os estilos de vida que aumentam o risco de desenvolver mutações cancerosas", afirma Vogelstein.

O oncologista aponta que mais estudos devem ser realizados com urgência para elaborar métodos de deteção precoce de todos os cancros, enquanto ainda podem ser curados. Os resultados do último estudo corroboram todos os estudos epidemiológicos que indicam que aproximadamente 40% dos casos de cancro podem ser prevenidos com um estilo de vida saudável, disse ainda o especialista.

Ambos os cientistas estimam que investir em políticas de saúde para reduzir o tabagismo e o consumo de álcool e promover uma alimentação saudável e o exercício físico ainda pode ter um impacto importante contra o cancro, a segunda principal causa de morte na maioria dos países ocidentais.