28 de maio de 2014 - 08h55
O sheik Munir, líder espiritual muçulmano, garantiu terça-feira a “todas as organizações” que “podem contar com o apoio” da comunidade islâmica no combate à mutilação genital feminina (MGF), reiterando que “o Islão não aprova a prática”.
No contexto de uma tertúlia que terça-feira à noite se realizou na Mesquita Central de Lisboa, sheik Munir apelou a que “não se utilize o Islão para fins próprios” e frisou que “mutilar qualquer parte do corpo é proibido” aos olhos da religião muçulmana.
“Tudo o que beneficia, o Islão aceita, tudo o que prejudica, o Islão rejeita”, realçou, perante várias dezenas de pessoas que assistiam à tertúlia, promovida pelo Clube de Filosofia Al-Mu'tamid, em parceria com a Comunidade Islâmica de Lisboa.
“Se a MGF fosse uma prática muçulmana, as filhas do profeta Maomé teriam sido mutiladas e nenhuma delas o foi”, observou.
Recordando o primeiro sermão de sexta-feira, em que resolveu abordar o tema, já há uns anos, sheik Munir reconheceu que não foi fácil e que até recebeu “ameaças”, mas que continuou a falar sobre a MGF, não para “desafiar” os quase 90 por cento de muçulmanos em Portugal que são oriundos de África, mas para lhes “explicar” que a prática “nada tem a ver com o Islão”.
Comunidade não aceita que possa ser crime
Também oradora na tertúlia, Diana Lopes, do movimento Muskeba, afirmou que a lei que penaliza a MGF adotada recentemente na Guiné-Bissau, país de língua portuguesa onde sensivelmente metade das mulheres são sujeitas a esta prática, "não está a ser aplicada", porque "a comunidade não aceita" que possa ser um crime.
A jurista frisou que a comunidade guineense em Portugal é ainda "muito patriarcal" e que se impõe que as mulheres tenham "uma voz mais ativa". 
Os médicos Mussa Omar e Joshua Ruah falaram sobretudo de circuncisão masculina, outro dos temas da tertúlia, mas o primeiro corroborou que “nada vem citado no Alcorão”, livro sagrado para o Islão, sobre a MGF.
“Não tem nada a ver com religião", insistiu, contrapondo que "é uma violação do corpo das mulheres e das meninas, que traz grandes complicações para a saúde".

Reconhecendo que o tema é "controverso" entre as comunidades islâmicas, Mussa Omar referiu que "há literatura" que classifica a MGF como "uma obrigação religiosa".
O médico muçulmano falou depois sobre "as vantagens" da circuncisão masculina, que recordou ser "uma prática generalizada", que deve, porém, ser realizada apenas "em meio hospitalar".
Por seu turno, o médico Joshua Ruah denunciou o que considerou ser "um movimento xenófobo contra a imigração muçulmana na Europa", que passa pela tentativa de criminalização do ritual de circuncisão masculina, que tanto judeus como muçulmanos praticam, rejeitando que aquele possa ser "uma violação da integridade física".
Lesões irreversíveis
A prática, que causa lesões físicas e psíquicas permanentes, é mantida em cerca de 30 países africanos, entre os quais a lusófona Guiné-Bissau, onde se estima que 50 por cento das mulheres sejam afetadas.
A mutilação genital feminina é feita de diversas formas: em algumas corta-se o clítóris, noutras os grandes e os pequenos lábios. Uma vez concretizada, é irreversível e se a vítima sobreviver irá sofrer consequências físicas e psicológicas permanentes. 
Além do sofrimento que as mutiladas sente no momento do corte, o processo de cicatrização é acompanhado com frequência por infeções, devido ao uso de utensílios contaminados, e dores ao urinar e defecar. A incontinência urinária e infertilidade são outras das sequelas.
O facto de serem usadas as mesmas lâminas para mutilar várias crianças aumenta o risco de se contrair o vírus da SIDA.
Além da mãe, também os recém-nascidos podem sofrer com a mutilação. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a taxa de mortalidade infantil é mais elevada em 55 por cento em mulheres que sofreram uma mutilação de tipo III (a infibulação, que consiste em fechar a abertura vaginal).
Por SAPO Saúde com Lusa