João Morais, cardiologista e presidente da Sociedade, considera que é necessário “mudar o paradigma” na área da cardiologia e tornar a insuficiência cardíaca uma prioridade, tal como se fez há cerca de duas décadas para o enfarte do miocárdio, com resultados positivos ao nível da redução da mortalidade.

“Quando hoje analisamos as doenças cardiovasculares é claro que temos um percurso de sucesso nos últimos dez anos. Muito provavelmente isso deve-se ao sucesso que Portugal teve no enfarte do miocárdio. Foi uma grande prioridade da cardiologia portuguesa nos últimos 20 anos. Estamos na altura de mudar o paradigma”, afirmou o especialista em entrevista à agência Lusa.

Para ter novos ganhos em relação à mortalidade por doenças cardiovasculares é preciso, segundo João Morais, criar novos objetivos e uma nova prioridade, centrando os esforços na insuficiência cardíaca. “É um seríssimo problema do mundo inteiro”, refere o presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, que assume a insuficiência cardíaca como a pandemia do século XXI.

A Sociedade de Cardiologia defende que se deve começar pelo diagnóstico dos doentes, já que haverá várias centenas de pessoas que sofrem da doença mas não têm um diagnóstico. E sem diagnóstico não há tratamento.

O despiste inicial é relativamente simples, feito através de uma análise de sangue específica, mas que não é comparticipada pelo Serviço Nacional de Saúde. “Os doentes não têm capacidade económica”, lembra João Morais, defendendo a comparticipação estatal dessa análise, tal como hoje ocorre para o colesterol ou a glicémia.

É preciso criar acesso um fácil ao diagnóstico

Para o presidente da Sociedade de Cardiologia, a comparticipação da análise poderia modificar a identificação dos doentes, “mudando o panorama no acesso ao diagnóstico”.

Depois do despiste inicial com a análise de biomarcadores específicos, haverá um percurso de estudo a fazer com o doente, mas o fundamental é obter-se o primeiro diagnóstico. “O grande objetivo é que todos os doentes em Portugal com insuficiência cardíaca tenham um acesso fácil ao diagnóstico e depois possa ser encaminhados”, resumiu o cardiologista à Lusa.

Mesmo para os doentes que têm já o diagnóstico de insuficiência cardíaca, João Morais diz que falta no país uma organização montada para os tratar: “Há doentes perdidos na medicina geral e familiar, por outras especialidades ou em consultórios privados”.

No fundo, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia diz que é necessário fazer para a insuficiência cardíaca o que se fez com o enfarte do miocárdio e com a diabetes, reconhecendo-os como problemas centrais, apurando o diagnóstico e criando mecanismos de seguimento e acompanhamento dos doentes.

João Morais lembra que a insuficiência cardíaca é muito debilitante e que apresenta uma taxa de mortalidade superior à de cancros como o da mama, do cólon ou da próstata.

“A taxa bruta de mortalidade em Portugal é superior à da diabetes, doença pulmonar obstrutiva crónica e asma”, refere ainda a Sociedade de Cardiologia.

Um em cada 25 doentes não sobrevive ao primeiro internamento com diagnóstico principal de insuficiência cardíaca e cerca de 30% dos doentes com esta patologia não sobrevivem cinco anos após o diagnóstico.

A taxa de internamento hospitalar é também elevada, sendo a segunda maior fonte de produção hospitalar. Mas cada internamento significa, segundo os peritos, um agravamento adicional da doença, daí que seja também colocado o objetivo de diminuir o número de internamentos do doente com insuficiência cardíaca.

A Sociedade Portuguesa de Cardiologia quer ainda que os cidadãos aprendam a reconhecer os sintomas da doença, sendo que entre os mais comuns estão a falta de ar extrema, edema nos membros inferiores e fadiga acentuada.

Em Portugal não há dados concretos sobre o número de insuficientes cardíacos. O último estudo foi realizado há cerca de 15 anos e apontava para uma prevalência de 4%, estimando cerca de 400 mil doentes.

Mas João Morais diz que atualmente serão bastante mais, pelo menos meio milhão de doentes, até porque muitos dos que foram sendo salvos de um enfarte do miocárdio acabam por vir a desenvolver insuficiência cardíaca.