"Na primavera de 2015 o Conselho de Segurança Nuclear (CSN) fez uma modificação da forma como avalia os eventos [de notificação obrigatória nas centrais] da escala INES de forma a que muitos dos classificados no nível 1 (em cinco) sejam reclassificados como zero. Eu classifico isto como manipulação", disse à agência Lusa a responsável pela campanha anti-nuclear da Greenpeace, Raquel Montón.

No sábado realiza-se uma manifestação ibérica (com protestos de ambos os lados da fronteira) pelo encerramento da central nuclear de Almaraz (dois reatores em operação desde 1983 e 1984), na comunidade autónoma espanhola da Extremadura, à beira do Tejo e a cerca de 100 quilómetros de Portugal.

Nos últimos nove anos, a central notificou (de forma obrigatória) o Conselho de Segurança Nuclear em 87 ocasiões, reportando problemas como "a perda de capacidade de comunicação entre o seu Centro de Apoio Técnico de Emergencia (CAT) e a Sala de Emergências do CSN", a "omissão de algumas das rondas de vigilância que se realizam a cada hora nas zonas onde existe um risco de incêndio" ou o "arranque automático do sistema de ventilação de emergência da Sala de Controlo" da central.

No entanto, a grande maioria destes eventos estão classificados com o grau zero (0) na Escala Internacional de Eventos Nucleares (INES), ou seja nem entram na escala. A não realização de todas as rondas de vigilância nas zonas de risco de incêndios estão classificadas no grau 1 (em sete), ou seja são considerados uma "anomalia" (o nível dois é "incidente" e o sete é "acidente grave").

A Greenpeace - que se associou ao protesto de sábado - contesta a forma como o supervisor da segurança nuclear espanhola classifica estes eventos. "Neste momento, se o operador [da central] não se tiver dado conta de um determinado evento, este passa automaticamente a ser classificado como zero e não como 1. Ou seja, a escala INES não avalia o grau de negligência, apenas o risco", contou Raquel Montón, em entrevista à Lusa.

A ambientalista deu mesmo um caso quotidiano para exemplificar o que, na sua opinião, se está a passar nas centrais espanholas.

"Quando tens um problema no teu carro, estás a correr a um risco quer te apercebas dele ou não. E se não sabes que ele existe, então possivelmente esse é o maior risco. Nas centrais nucleares, se o operador não se apercebe de um problema, então ele passa a estar classificado como zero e muitos passam a zero. A escala INES pretende informar o público do grau de risco e isto faz o contrário", apontou Raquel Montón.

Contactado pela Lusa, o CSN desvalorizou esta acusação, remetendo para uma nota de imprensa de 2015 na qual refere que "este é um assunto de ordem interna e de caráter puramente laboral [já que envolve um técnico afastado das funções por não concordar com a reclassificação], que não compromete nem a segurança das centrais nucleares nem a comunicação feita sobre a mesma".

Sobre os possíveis impactos para Portugal de um acidente nuclear na central de Almaraz, Raquel Montón e a Greenpeace estão pessimistas.

"Da nossa análise e medições no terreno em Fukushima e Chernobyl [ambos acidentes nucleares de grande impacto para as populações] chegamos à conclusão que perante um acidente nuclear não há solução possível nem remédio. Há melhor ou pior gestão [do acidente] 'a posteriori', mas não há solução ou remédio. É impossível de gerir", apontou.

Portugal e Espanha mantêm "acordos bilaterais" e os mecanismos de proteção civil têm acordos para que, em caso de acidente, possam tomar medidas necessárias e oportunas, explicou a ambientalista.

"Mas não há mecanismos válidos. Frente a uma fuga radioativa dependemos da meteorologia, e de várias circunstâncias, mas é impossível controlá-la", disse Raquel Montón.

"O caso de Fukushima (Japão, 11 de março de 2011) mostrou que a evacuação tornou-se difícil, porque determinar que zonas e com que parámetros se deve evacuar [uma área] depende das condições meteorológicas. O que quero dizer é que um acidente nuclear é incontrolável e não tem solução", concluiu.