A Língua Gestual Portuguesa foi reconhecida há 17 anos; depois de ter começado a ser investigada nos finais dos anos setenta (1970) na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, só em 1997 a Constituição da República Portuguesa a reconheceu, sendo assinalado o seu dia nacional no sábado, 15 de novembro.

Filha de pais surdos e tios igualmente portadores da deficiência, Lili não teve essa limitação e assumiu à Lusa que sente a língua gestual como a sua língua materna, já que foi a primeira que aprendeu, pois era com esta que se expressava com a família.

Mais tarde, com dois/três anos, quando foi para o jardim-de-infância é que começou a desenvolver a língua portuguesa.

No bilhete de identidade, Lili é Deolinda Grilo, nome da avó, mas como os seus pais não conseguiam "dizer" Deolinda e "só saía" Lili, assim ficou a ser conhecida e é como se apresenta.

Hoje, com 44 anos, é intérprete de língua gestual, numa escola de referência para surdos, em Lisboa.

Embora reconheça que têm sido dados “grandes passos” para facilitar a vida dos surdos, por testemunhar várias mudanças desde a sua infância, Lili lembra que “nem tudo está perfeito”, existindo mesmo “algumas lacunas”.

“Por exemplo, não percebo porque não há intérpretes nos hospitais”, explicou, frisando que o seu grande sonho é a criação de um lar para surdos, mesmo constatando que este já não vá a tempo de ter a sua mãe e sua tia como utentes, de 83 e 88 anos, respetivamente.

Lili, que foi funcionária durante 13 anos da Associação Portuguesa de Surdos, explicou que a própria instituição tentou vários contatos nesse sentido, mas devido à burocracia não conseguiu um espaço para a concretização do lar ou centro de dia.

Para Lili, a solução poderia passar por ser a Santa Casa da Misericórdia a “dar um espaço”.

Depois de ter começado a trabalhar aos 14 anos e passar a estudar à noite, Lili fez de tudo um pouco e, já na Associação, foi convidada a tirar um curso de formação profissional de intérpretes de língua gestual e anos mais tarde consegiu fazer a licenciatura.

Entretanto, a Associação começou a enfrentar problemas económicos e, como como opção viável, surgiu o ensino. Em 2008 enveredou por esse caminho e não se vê atualmente a fazer outra coisa, a par com as interpretações na televisão.

“Ainda estive a trabalhar em tempo parcial na escola e na Associação, mas acabei por desistir e ficar só na escola. Já muitos me tinham dito que eu tinha jeito para crianças, mas eu achava que não tinha perfil. Ainda estava muito ligada aos adultos surdos”, confidenciou.

Na escola, Lili assume um papel importante ao fazer a interpretação do que diz a professora na sala de aula: “tudo é diferente. Quando é uma pessoa adulta eu faço a tradução para a língua gestual, mas com uma criança é diferente, tenho a obrigação de ajudar e interpretar”.

“Quando comecei a experimentar a escola com miúdos mais novos acabei por chegar à conclusão de que aquilo que queria fazer na minha vida era fazer escola, adoro trabalhar com miúdos, é muito mais aliciante. Hoje em dia, o que gosto mesmo de fazer é isso”, sublinhou Lili, reconhecendo, contudo, que também gosta “de ir fazendo” as interpretações na televisão.

Lili “dá aulas” do quinto ao nono ano, em turmas só de surdos e surdos inseridos em grupos de ouvintes, de todas as disciplinas, vincado que “tudo se traduz” na língua gestual portuguesa.

Mas esta intérprete não se sente uma verdadeira professora, confessa que sabe distinguir os papéis: “não me sinto uma professora, não estou a fazer a tradução da aula, estou a fazer a interpretação, tentando passar o máximo na minha tradução para a criança perceber”.

Segundo dados da dados da Associação Portuguesa de Surdos, existem em Portugal cerca de 120.000 pessoas com algum grau de perda auditiva (incluíndo os idosos que vão perdendo a audição gradualmente) e cerca de 30.000 surdos falantes de língua gestual portuguesa (na sua maioria surdos severos e profundos).