27 de fevereiro de 2014 - 08h32
Um comité de especialistas apresentou na quarta-feira à agência americana que regula o setor de remédios e de alimentos nos Estados Unidos (FDA) a sua opinião sobre uma polémica nova técnica que combina o DNA de três pessoas para criar um embrião sem falhas genéticas.
O foco da análise é nos defeitos genéticos responsáveis por algumas doenças hereditárias incuráveis.
Reunido desde terça, o painel de especialistas deve apresentar as suas recomendações finais à Food and Drug Administration (FDA) sobre a segurança desse procedimento para testes clínicos. Até agora, essa técnica foi testada apenas em macacos.
Os especialistas não vão manifestar-se sobre as questões éticas que o procedimento possa gerar. A maioria dos críticos comparam o método com a manipulação genética para conceber bebés com determinadas características.
Os cientistas afirmam que essa técnica, denominada "fertilização in vitro com três pais", deveria ser autorizada para testes clínicos, já que tem um enorme potencial médico, assim como para a investigação sobre as células-tronco embrionárias e a clonagem.
Mitocôndria saudável
Essa tecnologia consiste em extrair o óvulo da mãe da mitocôndria, ou seja, o gerador de energia da célula que é defeituoso, para substituí-lo por uma mitocôndria saudável de outra mulher. Depois de ter sido fecundado pelo esperma do pai no laboratório, o óvulo é implantado na mãe, e a gravidez pode, então, desenvolver-se normalmente.
Esse procedimento foi inventado pelo cientista Shukhrat Mitalipov, da Universidade de Ciências e Saúde de Oregon, Estados Unidos, e conseguiu dar à luz cinco macacos em perfeito estado de saúde. O mesmo investigador propõe agora a usar a técnica em humanos.

Todos os anos, de mil a quatro mil crianças nascidas nos Estados Unidos desenvolvem uma doença mitocondrial - a maioria antes do dez anos. Essas patologias são muito variadas e podem afetar o sistema nervoso central, causar cegueira, ou problemas cardíacos.
As doenças da mitocôndria impedem que os nutrientes dos alimentos sejam transformados em energia e, com frequência, resultam de defeitos genéticos causados por mutações no DNA mitocondrial herdado da mãe.
Cientistas nos Estados Unidos já fizeram com sucesso experiências de fertilização combinando material genético de três pessoas, mas com uma técnica diferente.
Em 2001, investigadores de Nova Jérsia usaram o tecido do citoplasma, parte envolvente do núcleo do óvulo, de uma mulher fértil e implantaram-no depois da fecundação no óvulo de uma mulher estéril. Quase 20 crianças foram concebidas dessa forma nos Estados Unidos.
Esse procedimento trouxe muitas perguntas e levou a FDA a pedir aos cientistas que abandonassem o método em seres humanos sem uma permissão especial.
Sobre a nova técnica que a FDA agora analisa, o Center for Genetics and Society, um organismo em Washington oposto ao procedimento e que organizou uma petição contra a sua aprovação, considera que essa tecnologia "apresenta sérias questões de segurança e éticas para a sociedade".
"É um procedimento biologicamente extremo que supõe um risco para qualquer criança concebida dessa maneira e que questiona um consenso internacional de longa data contra a conceção de humanos geneticamente modificados", afirmou a diretora dessa organização, Marcy Darnovsky, numa nota.

"Essa técnica carrega um grande número de riscos previsíveis e imprevisíveis para cada criança, assim como para as gerações futuras. Isso pode abrir caminho para uma maior manipulação genética de células germinais", acrescentou.
Cerca de 40 países aprovaram leis que proíbem esses tipos de modificação genética, alegou Darnovsky.
Rejeitando esses temores, a diretora-executiva da Fundação das Células-Mãe de Nova Iorque, Susan Solomon, ressaltou que "a investigação não deve ser motivada pelo medo do desconhecido".
"Não é uma questão de bebés geneticamente modificados. Apenas tentamos evitar doenças horríveis", disse Susan ao jornal "The Washington Post".
A FDA não é obrigada a adotar as recomendações dos comités de especialistas que consulta, embora as análises sejam, frequentemente, ratificadas.

SAPO Saúde com AFP