João Goulão, responsável pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), comentava hoje, na Comissão de Saúde, os resultados do relatório anual sobre “A situação do país em matéria de drogas e toxicodependências 2014”, que apontam para o aumento do consumo de canábis.

O relatório indica que em 2014 foi mais uma vez consolidado o predomínio crescente da canábis, o que reflete a prevalência do seu consumo no país.

A este propósito, e respondendo ao Bloco de Esquerda sobre a possibilidade do uso da canábis para fins recreativos, João Goulão lembrou que Portugal foi “ao limite do paradigma proibicionista” e que agora tem que dar tempo para tomar decisões que sejam fundamentadas cientificamente.

“Encontrámos uma solução, admirada no mundo inteiro, de descriminalizar sem despenalizar. Temos todo o tempo para alicerçar as nossas escolhas à evidência científica. Não devemos dar um salto em frente só porque é a altura ou para sermos modernos”, afirmou, salvaguardando que não tem qualquer “resistência mental a este paradigma”.

No entanto, sublinhou o risco que acarreta o consumo de canábis, sobretudo de forma intensiva ou em associação com outras substâncias como o álcool ou as benzodiazepinas.

Mais mortes por overdose de droga

Aliás, o relatório dá conta de que a droga principal mais referida pelos novos utentes em tratamento em ambulatório em 2014 foi a canábis (49%), sendo simultaneamente a droga ilícita percecionada como sendo a de menor risco para a saúde. O mesmo relatório concluiu que em 2014 aumentou o número de pessoas que morreram com droga no organismo, bem como o número de casos por overdose.

“Chamo a atenção de que há uma enorme complacência social em relação à canábis. Chegou à nossa sociedade e o seu uso era residual, não era um fenómeno de massas. Depois transformou-se numa substância usada transgeracionalmente. As gerações mais velhas desvalorizaram o seu consumo, e o dos filhos, e dos netos. Toleram esse uso e é também intergeracional: podemos ver o avô, o filho e o neto a consumir alegremente o seu charro”, disse.

Na opinião do presidente do SICAD, alterar este contexto é difícil, mas “há progressos na perceção do risco” e é preciso perceber como minimizar os malefícios, se através de políticas reguladoras, medidas preventivas, ou outras.

“Não acredito que erradiquemos, mas minoraremos o impacto negativo. Hoje há urgências, psicoses agudas e esquizofrenias desencadeadas por estes consumos”, alertou.

O relatório revela que no que respeita ao grau de pureza das drogas apreendidas, a potência média da canábis e em particular da canábis resina, tem vindo a aumentar nos últimos anos, atingindo em 2014 os valores médios mais elevados desde 2005.