A experiência envolveu um grupo de invisuais da delegação de Leiria da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), com os peitos de frango recheados com alheira e arroz de legumes – um dos pratos escolhidos pelo coordenador e formador técnico de cozinha e pastelaria da EPL, chef Alberto Vaz – a saírem deliciosos para quem os provou.

Foi através dos sentidos do tato, olfato, audição e paladar, que os invisuais ultrapassaram barreiras e venceram alguns medos, insignificantes para quem vê, mas preocupantes para quem vislumbra uma enorme escuridão.

"Em casa não ajudo muito a esposa, porque tenho medo do fogão. Tenho medo de lidar com uma faca e fazer cortes. Com este workshop vencemos alguns medos e acabamos por ter vontade de fazer mais", disse José Ilídio Neves, um dos participantes, invisual desde que nasceu.

Segundo José Ilídio Neves, o primeiro obstáculo que um invisual tem de vencer "é a parte espacial". Conseguindo ter orientação no espaço "consegue vencer todos os obstáculos", afirmou, salientando a importância de se aventurar e "perder o medo".

Se descascar uma maçã já não tem segredos para José Neves, rechear carne ou confecionar uma tarte foi uma surpresa.

"Confesso que não fazia ideia de que rechear fosse pegar num bocadinho de carne e fazer um corte transversal, como se fosse um pão, e pôr o recheio. Neste caso, abriu-me os horizontes e deu-me oportunidade de aprender. E, se calhar, vou tentar no futuro fazer sozinho", admitiu o participante, que deixou a sugestão de ser criado um curso de culinária para invisuais durante uma semana.

Luís Carlos Sousa ficou invisual há cerca de dois anos, devido a um glaucoma hereditário. Desde então só vê sombras. A aula ajudou-o a "criar autonomia".

"O chef está bem entrosado com as nossas necessidades. A explicação foi muito bem dada e acessível", afirmou, destacando a importância dos "sons característicos da cozinha" e o cuidado que tem de ter com as facas.

"Não se devem misturar facas com outra louça para lavar", exemplificou Luís Carlos Sousa.

Durante a aula de culinária orientada pelo chefe Alberto Vaz foram dadas várias coordenadas para localizar os objetos de cozinha e a comida.

"O prato é redondo e aprendemos a localizar a comida como se fosse um relógio: às 03:00, às 06:00, às 09:00 e às 12:00. Por exemplo, o arroz está à direita, às 03:00, a carne às 09:00 e a salada às 12:00", explicou Luís Carlos Sousa.

E foi através deste método que o chefe conduziu a aula de culinária, a sua estreia com formandos invisuais.

Alberto Vaz considerou que foi uma "uma experiência enriquecedora" e a escolha da ementa respondeu às necessidades do público-alvo.

Procurámos aplicar técnicas em produtos de fácil acesso no mercado e já previamente preparados, de fácil e rápida confeção, com temperos muito simples”.

No final, o chefe provou os pratos e concluiu que "uma grande percentagem dos participantes teve uma atitude muito boa. Atingiram a maior parte dos objetivos propostos".

Para o chefe Alberto Vaz as principais dificuldades foram "quantificar os temperos, sobretudo o sal", e "controlar a intensidade do gás ou energia".

Este workshop, que decorreu no passado fim de semana, integrou no projeto "Capacitar = Bem Agir", financiado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, que contempla um conjunto de iniciativas “sobre temáticas conexas com o desenvolvimento pessoal e o treino de atividades da vida diária por parte das pessoas com deficiência visual", explicou a psicóloga da ACAPO, Ana Carvalho.

A aula de culinária foi o terceiro workshop de um ciclo de quatro e "o próximo será sobre as potencialidades dos smartphones e os sistemas iOS e Androide".