Responsáveis do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL) alertaram para as consequências do anunciado fim dos cuidados comunitários para doentes mentais, nomeadamente o regresso aos “asilos” e à estigmatização destes doentes.

Em conferência de imprensa, o médico psiquiatra João Cabral Fernandes e a sua equipa criticaram ainda a forma “pouco criteriosa” como estão a ser escolhidos os profissionais de saúde desta área para o novo Hospital de Loures.

Em causa está a inclusão dos serviços de psiquiatria e saúde mental no Hospital Beatriz Ângelo (HBA) e consequente encerramento do serviço de psiquiatria de Odivelas-Loures, que prestava apoio àquela população através de um modelo de intervenção comunitária.

Este modelo assenta nas visitas domiciliárias e envolvimento de toda a rede que circunda o doente, sejam os familiares, o médico de família, os assistentes sociais ou até funcionários de lares.

Segundo João Cabral Fernandes, diretor da equipa do CHPL, este é o modelo de intervenção que segue as orientações da Organização Mundial de Saúde e que é seguido nos países mais desenvolvidos, reduzindo internamentos e permitindo que os doentes se mantenham estáveis e consigam reintegrar-se na sociedade e no mercado de trabalho.

“A equipa do HBA é um quadro só médico, muito assético, que tem apenas seis psiquiatras, em vez dos atuais 13, cinco psicólogos e nenhum assistente social”, afirmou, acrescentando que “é um modelo que rompe com a assistência comunitária”.

Na opinião do responsável, o novo hospital de Loures foi construído com um “gigantismo” que se reflete na existência de 480 camas para internamento, mas que exclui o paradigma das doenças mentais crónicas e das equipas comunitárias.

Embora considerando positiva a passagem do atendimento para um hospital geral, o responsável estranha que a equipa que vem trabalhando com a população da área de Loures e Odivelas há mais de 20 anos não tenha sido envolvida no processo de transição.

João Cabral Fernandes afirmou ainda que o protocolo entre o CHPL e o HBA não prevê as visitas domiciliárias e que todos os serviços específicos de proximidade com a população não estão previstos, considerando por isso que não vai haver trabalho diferenciado, que estas pessoas vão voltar a ser estigmatizadas e que os internamentos vão voltar.

“Vai ser um retrocesso de vários anos”, afirmou, sublinhando que o serviço de saúde mental do HBA foi criado segundo o modelo dos anos 70, um “modelo retrógrado que no futuro vai aumentar as estruturas asilares”.

O médico salientou ainda que haverá uma “clivagem entre as doenças psiquiátricas” e que doenças como o alcoolismo ou as demências serão “excluídas”, sendo considerados apenas os casos mais agudos, como os compulsivos.

“Vamos voltar aos doentes limpinhos” de há 50 anos, criticou, antevendo que “os casos que necessitam de uma intervenção de seis meses serão internados e tratados em três semanas”.

Esta é uma opção com vista à poupança a curto prazo, mas que sairá mais caro ao erário público no futuro, considerou, lembrando que a intervenção comunitária diminui os internamentos, as idas às urgências e os custos sociais.

Como exemplo refere a existência de doentes que atualmente se mantêm estáveis e desenvolvem trabalhos remunerados que lhes permitem a autossubsistência, tais como pintura ou jardinagem, e que no futuro vão estar desintegrados e a viver de apoios sociais.

João Cabral Fernandes lembrou ainda que a população atualmente seguida pela equipa do CHPL é muito pobre e terá dificuldades financeiras para se deslocar ao hospital.

20 de março de 2012

@Lusa