21 de outubro de 2013 - 08h17
A gaguez afeta 100 mil portugueses e provoca por vezes “traumas profundos” ainda que pouco visíveis, porque ao gago basta calar-se para esconder a deficiência na fala e porque quem o ouve finge não dar por nada.
A propósito do Dia Internacional da Consciencialização para a Gaguez, que se assinala na terça-feira, a Associação Portuguesa de Gagos (APG) chama a atenção para o “iceberg” que é a questão da gaguez, onde as dificuldades na fala são só a face visível de problemas muito maiores, que levam pessoas gagas a isolarem-se dos outros, por exemplo.
“Há sempre algum sofrimento. Há os que conseguem lidar com isso mas outros sofrem bastante, e não pelo grau de gaguejo”. Brito Largo, terapeuta da fala no Centro Hospitalar de Coimbra e professor na Escola Superior de Tecnologia de Saúde do Porto, fala do sofrimento que pode ser para alguns pedir um simples café ao balcão de uma pastelaria.
É contra isso que a APG luta. Daniel Neves Costa, sociólogo e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, é também da direção da Associação. “Conheço pessoas com um sofrimento gigantesco mesmo tendo uma pequena gaguez”, com pânico em falar, com perda de autoestima, colocando-se mesmo à margem da sociedade, diz à Lusa.
E numa altura em que arranjar um emprego é difícil é-o ainda mais para os gagos, acrescenta o responsável, explicando que à gaguez se associa muitas vezes “falsas ideias” de nervosismo, timidez, ansiedade, atrapalhação, falta de confiança e menos inteligência. “Criam-se imagens distorcidas e numa situação de entrevista pode ser fator de exclusão”, alerta.
Mas salienta também que ser gago não é nem pode ser impeditivo de nada e nem a gaguez deve de ser escondida. O ator Colin Firth demonstrou-o na perfeição quando interpretou o rei inglês Jorge VI, que conseguiu vencer o problema no filme “O discurso do Rei”, lembrou.
Na terça-feira a APG não vai assinalar o dia mas no próximo fim de semana organiza as VII Jornadas sobre Gaguez, no Instituto Politécnico de Setúbal, nas quais um dos temas em debate é a terapia da gaguez.
E essa terapia, explica Brito Largo, inclui cada vez mais a parte psicológica, a tal do “iceberg” de que fala a APG. “No fundo para que a pessoa que gagueja se exponha” e para que os outros entendam e compreendam o problema, porque “a gaguez acaba por ser um problema de comunicação”, diz.
É também um “problema” social. Diz Brito Largo que os gagos falam melhor quando estão sozinhos, pelo que há uma parte psicológica que não pode ser esquecida. O melhor numa conversa, diz, é o gago começar por assumir o problema na fala e quem o ouve também não finja que nada se passa.
E é de facto um problema, de alteração estrutural a nível cerebral, e sem cura. Mas pode ser minimizada a dificuldade na fala como também a nível psicológico, ajudando as pessoas a viver melhor, diz Brito Largo, que acrescenta: “a intervenção terapêutica tem técnicas na fala mas também impacto no aspeto psicológico e social”.
O terapeuta alerta ainda que num diálogo os gagos não estão a sofrer por falar como falam e que os não gagos não precisam de ficar “em desconforto”. “O melhor é falar se esse desconforto existir”, diz.
No fundo a melhor terapia para a gaguez é falar, de acordo com o sentido também das palavras de Daniel Neves Costa. E se hoje, diz, a sociedade aceita melhor os gagos (75 por cento dos afetados são homens) ainda há “muito trabalho a fazer”.
Embora exemplos de superação e aceitação não faltem. Se nomes como Somerset Maugham ou Lewis Carroll ficaram famosos pelas suas palavras escritas outros fizeram da voz um dos seus instrumentos de trabalho, como os atores Bruce Willis ou Júlia Roberts ou o político Winston Churchill.
A fazer fé nalguns historiadores também Moisés era gago. E falou com Deus.

Lusa