28 de novembro de 2013 - 14h23
O investigador Jorge Atouguia considerou que a recente descoberta de um novo serótipo do vírus que provoca o dengue vem complicar a busca de uma nova vacina, processo que até há um mês parecia promissor.
Em entrevista à Lusa a propósito de um ‘workshop’ que o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) promove esta semana sobre o dengue, o especialista explicou que o aparecimento do quinto serótipo "vem alterar tudo o que foi feito até agora em relação à vacina".
O novo vírus, anunciado no final de outubro durante uma conferência em Banguecoque, foi descoberto por acaso, quando investigadores estudavam amostras do vírus do dengue recolhidas durante o surto de 2007 no estado de Sarawak, na Malásia.
Face à suspeita de que estariam perante um serótipo diferente dos quatro já conhecidos, os cientistas sequenciaram o vírus e descobriram diferenças filogenéticas, tendo também confirmado que os anticorpos produzidos contra o vírus em macacos eram significativamente distintos dos produzidos pelos vírus já conhecidos.
A dificuldade em encontrar uma vacina para o vírus do dengue explica-se porque, embora o contacto com um dos vírus crie imunidade a esse serótipo, provoca simultaneamente uma maior vulnerabilidade aos restantes. Ou seja, uma pessoa infetada com o serótipo 01 fica imune a esse vírus, mas pode desenvolver formas mais graves, ou mesmo fatais, de dengue se for posteriormente infetado com o serótipo 02, 03 ou 04.
Por isso, qualquer vacina tem de incluir todos os serótipos.
"Até aparecer este novo serótipo, a vacina que estava a ser ensaiada estava relativamente bem. (...) Funcionava muito bem para o 01, 03 e 04, mas não funcionava bem com o 02", embora a empresa responsável garantisse que as pessoas imunizadas não desenvolviam formas graves de dengue quando contactavam com o serótipo 02, explicou Jorge Atouguia à Lusa.
Agora, tudo vai ter de ser repensado, afirmou o especialista do IHMT, sublinhando a urgência de se encontrar uma vacina para a doença: "O número de casos de dengue duplica de década para década; o dengue está a avançar; a necessidade da vacina é imperiosa".
A questão da vacina é um dos temas em discussão durante o workshop "Dengue. Presente e Futuro", que o IHMT organiza entre sexta-feira e sábado em Lisboa.
Com mais de 80 participantes já confirmados, sobretudo médicos, mas também enfermeiros, o curso surge porque desde o fim do colonialismo, a medicina portuguesa foi-se afastando das doenças tropicais, explicou Atouguia.
"As mais novas gerações de médicos e profissionais de saúde não estão tão familiarizados com as doenças tropicais", o que não seria muito complicado se não fosse a globalização aumentar a mobilidade de pessoas e as alterações climáticas favorecerem o aparecimento de vetores destas doenças em locais do mundo antes consideradas livres desse perigo.
No caso português, há um novo fator, que tem a ver com o fluxo de emigração portuguesa para zonas tropicais, disse o especialista, recordando que durante os quatro meses do surto de dengue em Luanda, no ano passado, Portugal registou mais de 150 casos importados de Angola.
"Estamos a ter muitos portugueses a regressar com doenças e há uma grande dificuldade por parte dos técnicos de saúde em entender determinadas caraterísticas destas doenças", afirmou.
O perigo é que, enquanto em Portugal uma doença febril sem outros sintomas não é normalmente um caso urgente, uma pessoa infetada com dengue ou malária pode só ter febre e desenvolver um quadro grave.
Daí "a necessidade de se pensar tropical em Portugal", afirmou.
Lusa