O comércio de óvulos e espermatozóides é uma realidade em Portugal e resulta de objectivos económicos dos dadores que nem sempre têm motivações altruístas, denuncia o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).

Miguel Oliveira da Silva, à frente deste organismo há um ano, falava à agência Lusa a propósito das leis de Procriação Medicamente Assistida (PMA) e da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) que, na sua opinião, têm aspectos que devem ser revistos.

Em relação à lei da PMA, que entrou em vigor em 2006, Oliveira da Silva é peremtório: “Não vale a pena dourar a pílula e dizer que tudo são rosas e solidariedade em torno da PMA”.

A “solidariedade” a que se refere prende-se com a dádiva de gâmetas sexuais masculinos (espermatozóides) e femininos (óvulos) que, segundo a lei, não pode ser objecto de comercialização.

Este ginecologista e obstetra considera, contudo, que o “mercado paralelo” destas gâmetas é uma realidade e é “inevitável”.

“Há clínicas que importam óvulos do estrangeiro para mulheres que os não têm. Tudo a troco de dinheiro. Se isso é declarado ou não, não sei. As Finanças podem controlar isso”, afirmou.

Miguel Oliveira da Silva considera que “não há garantias de que os motivos sejam altruístas”, recusando a classificação “eufemista” da compensação pelo transtorno da dádiva que, se no caso dos homens se limita a uma masturbação, no caso das mulheres envolve medicamentação com possíveis efeitos secundários e uma pequena cirurgia.

“Há quem eufemisticamente chame compensação. Qual o montante pelo incómodo da anestesia? Pelo pequeno internamento? Pelos riscos para a saúde? Quantas vezes um homem pode dar esperma? E as mulheres quantos óvulos podem dar?”, questiona.

O especialista em ética não descarta, contudo, a hipótese de alguns dadores terem motivos altruístas e recorda que “a história da PMA provou que há homens e mulheres profundamente altruístas”.

Outro aspecto da PMA que Oliveira da Silva gostaria de ver refletido prende-se com os sectores público e privado onde estas técnicas são praticadas.

“Enquanto cidadão e médico, gostaria de ver maior transparência na declaração de interesse e de eventuais conflitos de interesse de todos os elementos que trabalham nos centros de PMA e no próprio Conselho Nacional de PMA, já que há uma transferência, às vezes excessiva, de doentes (casais) entre os centros estatais e privados, com muitos médicos e biólogos a trabalhar simultaneamente nos mesmos lados”, referiu.

Garante que “há encaminhamento de doentes dos centros públicos para os privados”, mas lembra que “não há lei que proíba que médicos que trabalham na PMA no público e no privado não possam dizer ao casal que veem de manhã no público para ir à tarde ao seu consultório privado”.

“Em muitos casos é eticamente inaceitável, noutros poderemos contemplar”, disse, defendendo “uma reflexão” sobre estas matérias.

Outra lei que gostaria de ver revista é a do aborto, nomeadamente com questões como o seguimento das mulheres que abortam.

“Metade, ou mais, das mulheres que fazem um aborto faltam à consulta de planeamento familiar nos 15 dias seguintes, o que é gravíssimo”, disse.

Oliveira da Silva defende a “responsabilização” destas mulheres, não adiantando quem e como deve ser feita.

Fonte: Lusa

2010-09-20