A Sociedade Alemã de Sexologia Clínica atribui a distinção ao "trabalho de uma vida" do médico português devido à sua contribuição "quer a nível de investigação, quer a nível de ensino, para melhorar o conhecimento sexológico e tornar as vidas sexuais mais humanas".

João Décio Ferreira disse à agência Lusa sentir-se honrado com o prémio de "grande valor" e garantiu ser um "incentivo para continuar".

"É um reconhecimento internacional daquilo que faço, o que é sempre agradável e é um incentivo para continuar. É sinal que estamos no caminho certo. Quando se faz uma coisa nova, nunca podemos dizer que está terminada, vamos sempre aperfeiçoando mais um bocadinho", afirmou.

O médico desenvolveu em 2006 uma técnica que permite a construção de uma vagina com enxerto de intestino delgado e outra que possibilita construir um pénis com tecido da zona abdominal e enxerto de cartilagem da costela.

"Eu não estava contente com a técnica da cirurgia genital do masculino para o feminino que é usada a nível mundial [faloplastia, ou seja, a inversão da pele do pénis com o enxerto do antebraço], pela estética e complicações que gerava. Resultado: criei uma nova", concluiu.

Seis euros por hora no Hospital de Santa Maria

O cirurgião plástico, de 72 anos, sublinhou que a distinção internacional contrasta com o reconhecimento que tem recebido em Portugal, uma vez que, depois de reformado do Serviço Nacional de Saúde (SNS), recusou uma proposta para ficar a operar no Hospital de Santa Maria a receber seis euros por hora.

"O valor que me deram na altura andava à volta de 6 euros à hora. Agora, fora de Portugal dão-me uma medalha de ouro. Pensei que é um pouco mais de reconhecimento", criticou. 

João Décio Ferreira referiu que a solução para os transexuais portugueses "é complicada" porque, a nível do SNS, contam apenas com o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra para cirurgias de mudança de sexo.

O cirurgião plástico continua a operar a nível privado no Hospital de Jesus em Lisboa, que tem aplicado valores mais baixos para quem quer fazer as operações de reatribuição de sexo, temendo não ser o suficiente porque "a maior parte [dos transexuais em Portugal] não tem capacidade económica sequer para pagar as despesas da clínica", referindo que muitos utentes "correm o risco de suicídio".

O médico salientou ainda o "contraste bestial" entre o prémio que hoje recebe pela Sociedade Alemã de Sexologia Clínica e o processo instaurado pelo Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra em 2015, entretanto arquivado, por crime de difamação agravada devido a observações publicadas pelo cirurgião no seu site e a comentários emitidos numa reportagem da SIC.

João Décio Ferreira é o segundo médico português a receber o galardão Magnus Hirschfeld pelas mãos do Presidente da Sociedade Alemã de Sexologia, Jakob Pastoetter, depois do cirurgião Pedro de Freitas o ter recebido em 2014.