O estudo, publicado na conceituada revista Cerebral Cortex, revela novas provas sobre os efeitos da cafeína no tratamento da doença de Parkinson.

Uma novidade deste estudo é o facto de se ter focado nos défices cognitivos associados à doença de Parkinson, menos considerados do que os sintomas motores mais característicos da doença, como a rigidez e o tremor. Sabe-se que uma das proteína associadas ao Parkinson, a alfa-sinucleína, forma aglomerados em várias zonas do cérebro e lesiona os neurónios, nomeadamente no hipocampo, zona crucial para o armazenamento das nossas memórias.

Este estudo demonstra, pela primeira vez, que moléculas da família da cafeína (particularmente moléculas bloqueadores dos receptores A2A para adenosina) são eficazes a diminuir a toxicidade da alfa-sinucleína nessas zonas associadas à memória.

"O mecanismo pelo qual se consegue esta proteção tem a ver com a capacidade de reduzir a agregação da alfa-sinucleína, diminuindo assim a sua toxicidade e consequente lesão neuronal. Este efeito protetor acontece nas fases mais tardias de formação desses agregados cuja acumulação levaria à morte dos neurónios das zonas afetadas", explica Luisa V. Lopes, coordenadora do estudo no Instituto de Medicina Molecular (iMM).

Cafeína protege contra perda de memória

A investigadora acrescenta que "já há algum tempo que no iMM temos estado a trabalhar na hipótese de que bloqueando a ação dos receptores A2A de adenosina, tal como a cafeína atua quando ingerimos café, ocorre uma proteção contra a perda de memória associada ao stress e ao envelhecimento.

Nesta colaboração com colegas portugueses da Universidade de Göttingen decidimos testar a hipótese de que este grupo de moléculas seria também eficaz na toxicidade induzida por alfa-sinucleína e ser relevante em Parkinson. Até porque vários estudos epidemiológicos sugerem uma associação entre a ingestão de cafeína e proteção em Parkinson, mas nunca tinha sido estudada a sua ação direta na ação da alfa-sinucleína.

A doença de Parkinson afeta um número crescente de pessoas em todo o mundo, devido ao envelhecimento da população. Só em Portugal, esta doença afeta mais de 20.000 pessoas.

As terapêuticas atuais são apenas sintomáticas e centram-se por isso principalmente no tratamento dos sintomas motores típicos da doença. No entanto, o declínio cognitivo e de diminuição da memória, também sintomas presentes nesta patologia, causando graves problemas para os doentes à medida que a doença progride.

" Embora a ideia de que a cafeína é protetora contra défices de memória esteja generalizada e seja aceite pela comunidade científica, são necessários argumentos mais sólidos para que esta - ou fármacos análogos - sejam testados clinicamente. Precisamos de dados mais concretos e secundados por mecanismos de ação mais detalhados. Este estudo pode ser um argumento a favor disso, com uma aplicação adicional em défices de memória de doentes de Parkinson", explica Tiago Outeiro, diretor do Departamento de Neurodegeneração em Göttingen. E conclui que "este estudo traz uma nova esperança para o tratamento de sintomas que os médicos não têm sido capazes de tratar até agora, devido à falta de ferramentas".

O café é um hábito comum na dieta alimentar da maioria das pessoas sendo por isso esta ligação extremamente interessante. Luísa Lopes esclarece que "não deveríamos, por esta razão, começar a beber 10 cafés por dia para tratar a doença de Parkinson" e acrescenta que "o mecanismo que agora descrevemos dá pistas importantes em relação aos alvos celulares da cafeína, e assim contribuir para o desenvolvimento de novos fármacos mais específicos e potentes".