19 de maio de 2014 - 09h59
Em Portugal, cada vez é mais fácil diagnosticar AVC (acidentes vasculares cerebrais) em crianças devido aos avanços nos exames complementares de diagnóstico e da melhoria dos cuidados perinatais, já que muitos episódios ocorrem em recém-nascidos ou ainda dentro do útero da mãe.
“O que sabemos da literatura é que o diagnóstico, a percepção, aumentou, mas se calhar o número de AVC  não terá aumentado assim tanto”, diz a neuropediatra Rita Lopes da Silva, a propósito de um simpósio sobre o tema que se realiza em Lisboa este sábado.
Segundo a médica do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, as atuais ressonâncias magnéticas permitem visualizar AVC que anteriormente não eram detetados numa TAC, por exemplo.
Além disso, a melhoria dos cuidados de saúde perinatais e o aumento da sobrevivência de crianças com problemas congénitos que podem originar AVC fazem com que haja um aumento dos diagnósticos.
“É uma doença rara, mas não tão rara assim. Se atendermos à mortalidade, está entre as dez primeiras causas de morte na criança, a par do tumor cerebral. Entre dois a dez por cada 100 mil crianças até aos 18 anos sofrem um AVC. Este risco aumenta muito no período em redor do nascimento, antes, em redor e após as primeiras semanas”, refere a especialista.
Quando ocorrem ainda no útero, muitas vezes não é dado nenhum sinal e os partos são perfeitamente normais. Só pelos quatro ou cinco meses podem dar alguma manifestação, quando começam a mostrar uma clara preferência por uma das mãos, o que não é usual durante o primeiro ano de vida, mantendo a outra mais fechada ou inativa.
“Nestes casos, com uma ressonância magnética por vezes detetamos um AVC pré-natal. O que merece uma investigação, porque temos de verificar se na criança ou na mãe existe algum risco que seja importante prevenir, por exemplo, para gravidezes futuras”, explica a neuropediatra.
Dados do estudo prospetivo de registo de AVC na idade pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria e Sociedade Portuguesa de Neuropediatria indicam que, entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2011 foram registados 114 acidentes vasculares até aos 18 anos.
Destes, metade ocorreu até aos 28 dias de vida. Dos restantes, a mediana de idades dos AVC foi de sete anos.
Em relação ao dos adultos, o AVC pediátrico tem uma maior diversidade de causas, como doenças cardíacas congénitas ou determinadas anemias, embora infeções como meningites também possam contribuir.

Já no adulto, os AVC estão mais associados a fatores de risco, como a hipertensão, a diabetes, colesterol elevado ou tabaco.
“É verdade que hoje em dia os meninos estão mais obesos, isso pode promover o aumento do AVC, mas numa idade mais tardia, pelos 30 ou 40 anos, ainda jovem mas não em idade pediátrica”, salvaguarda Rita Lopes da Silva.
Também quanto à recuperação há diferenças em relação aos adultos. Em pediatria, o potencial de reabilitação “é muito superior”, embora cerca de metade das crianças com AVC fique com algum tipo de défice ou dificuldade, que pode ser cognitiva, motora, comportamental ou sensorial.
A intervenção dos fisiatras nos AVC pediátricos começa “muito precocemente”, mal há um diagnóstico, para tentar perceber quais as partes da criança que foram afetadas. “Na pediatria, existe uma especificidade muito importante: as etapas do desenvolvimento. As competências de um recém-nascido são muito diferentes das de um adolescente. Toda a estimulação é feita tendo isso em conta. Não vamos pôr uma criança a tentar andar se ela ainda não se sabe sentar”, explica Rita Francisco, fisiatra no mesmo hospital.
O objetivo da reabilitação é fazer com que a criança seja o mais funcional possível, que esteja integrada no ambiente familiar e escolar. Para isso, é preciso envolver os pais e cuidadores para que aprendam e repliquem o que é feito durante os tratamentos, acrescenta a técnica de saúde.
Apesar de a maior plasticidade cerebral dos menores favorecer o prognóstico de recuperação de um AVC, a reabilitação tem de ser “mais imaginativa”, porque nem sempre as crianças colaboram nos tratamentos como o fazem os adultos.
Mesmo que as dificuldades depois de um AVC sejam ligeiras, a neuropediatra Rita Lopes da Silva aconselha que o acompanhamento destas crianças e jovens seja feito de forma mais ou menos permanente. “Os AVC têm um impacto ao longo da vida. Podemos negligenciar um problema e considerar que [a criança] está funcional. Mas podem surgir mais tarde problemas emocionais ou dificuldades escolares”.
Por Lusa