23 de maio de 2014 - 09h31
A crise económica em Portugal alterou o perfil das pessoas que recorrem à Cais, uma associação que se assume como o último porto dos que perdem casa e trabalho, e tornou-o mais jovem e habilitado.
Em entrevista à Lusa a propósito dos 20 anos da associação Cais, a presidente da instituição admitiu que, hoje, a associação já não recebe o mesmo tipo de pedidos de ajuda.
“Há 20 anos, estávamos a falar da exclusão dos sem-abrigo, típica da pessoa que está na rua, que já não tem padrões, que já perdeu a noção até do que é a higiene pessoal e perdeu os seus contornos de dignidade”, lembrou Anabela Pedroso.
Atualmente, as pessoas que pedem ajuda à Cais “vêm de bairros camarários, não estão na rua, e têm habilitações ligeiramente acima daquelas que [tinham as pessoas que] recebíamos há 20 anos”, explicou.
“Eu diria que temos três tipos de pessoas” a pedir ajuda, adiantou a responsável.
Além dos imigrantes da Europa central, que constituíram durante muito tempo o maior grupo de apoiados pela Cais, a associação recebe hoje pedidos de muita gente que está em vias de perder a casa e jovens pais sem habilitações académicas.
“[Recebemos pedidos de ajuda de] casais na ordem dos 45/55 anos que estão em vias de ficar a viver na rua”, a quem a Cais quer “criar novamente condições porque ainda não estão, a nível psicológico e emocional, totalmente destruídas”, afirmou a presidente, acrescentando ter surgido um outro grupo de excluídos.
“O terceiro grupo, que agora tem aparecido, é de jovens. Na ordem dos 25/30 anos, que já são pais e que não encontram trabalho, até porque não têm habilitações”, explicou.
“Depois temos uma parte residual de pessoas que, pela vida, por tudo o que lhes aconteceu, não têm grandes condições para voltarem a ter trabalho a não ser pela revista ou pelo apoio social que damos na própria Cais”, concluiu.
Criada em 1994 para ajudar a população marginalizada a voltar ao mercado de trabalho, a associação Cais tornou-se conhecida sobretudo por publicar a revista com o mesmo nome: Cais.
“Já nessa altura [em 1994, tínhamos] o objetivo de encontrar um meio de retirar as pessoas da rua – naquele tempo estávamos muito focados nas pessoas mesmo excluídas socialmente – e dar-lhes alguma hipótese de terem o seu dinheiro e é assim que surge a revista”, contou Anabela Pedroso.

Vinte anos depois, “mantemos a revista no mesmo foco, mas ampliámos a diversidade de projetos, não só para as pessoas que já estão excluídas mas também para abranger quem está em vias de exclusão”, adiantou.
Quem recorre à Cais já passou por todas ou quase todas as instituições de apoio social e de apoio ao emprego. Já deixaram de receber o subsídio de desemprego, já tiveram ajuda da Cáritas e da Vida e Paz. Então chegam ao “último porto”, descreve a presidente da associação.
“Às vezes, são as próprias instituições [de solidariedade social] ou o Instituto de Emprego e Formação Profissional que nos manda quatro ou cinco pessoas para capacitarmos para poderem voltar ao mercado de trabalho”, explicou Anabela Pedroso.
Por isso, a associação criou e está a desenvolver vários programas de ajuda ao regresso ao trabalho.
Entre os projetos destacados por Anabela Pedroso, conta-se o Cais Buy@Work.
“Tem sido um dos mais interessantes destes dois últimos anos”, disse, explicando consistir numa ajuda para quem está a trabalhar e tem de fazer compras.
O projeto funciona num grupo de sete empresas, às quais está associado um dos colaboradores apoiados pela Cais e que vai à farmácia, à lavandaria ou fazer compras ao supermercado em nome de quem está ‘preso’ do escritório e não consegue sair para ir realizar essas tarefas.
“Temos já, neste momento, a autossustentabilidade deste nosso colaborador, que vai passar a ter o seu próprio emprego, e vamos criar um novo [projeto], desta vez mais na zona de Lisboa, onde estamos a juntar empresas para criar um outro polo chamado Cais Buy@Work 2.
“Estamos muito esperançados em conseguir a adesão das empresas para poder começar o projeto até ao final deste ano”, disse.
Outro dos planos da Cais começou agora e conta com a ajuda de uma petrolífera, que se comprometeu a absorver, nos próximos 10 anos, 300 das pessoas apoiadas pela associação.
Por Lusa