O número de crianças com alergias alimentares tem vindo a aumentar nos últimos anos e alguns dos factores que explicam esse crescimento são o estilo de vida e o tipo de alimentação que caracteriza actualmente os países desenvolvidos. O presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, Mário Morais de Almeida, diz que também em Portugal "as alergias alimentares são cada vez mais frequentes e graves, com especial incidência na idade pediátrica".

Segundo rastreios nacionais, cinco a dez por cento das crianças são afectadas. As alergias à proteína do leite de vaca e ao ovo são as mais frequentes: "São igualmente frequentes as alergias ao peixe, ao trigo, aos mariscos (crustáceos e moluscos), aos frutos secos e frescos, ao amendoim e a algumas sementes", acrescenta Mário Morais de Almeida. De acordo com o presidente da secção de Imunoalergologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria, Libério Ribeiro, estima-se que, nos últimos cinco anos, o número de casos relacionados com alergias alimentares em idade pediátrica tenha duplicado:

"Não há estudos específicos [sobre o aumento], mas as alergias são mais frequentes nos países desenvolvidos - são as "doenças da civilização". Estão relacionadas com o novo tipo de alimentação e hoje em dia recorre-se muito mais à fast-food", nota Libério Ribeiro, referindo-se a alimentos industrialmente processados que, entre outros problemas, podem conter produtos "ocultos", contaminação, aditivos, corantes e conservantes.

Mortalidade elevada

O especialista alerta ainda para o facto de as alergias alimentares - que têm uma "mortalidade relativamente elevada" - poderem desencadear um choque anafiláctico (a anafilaxia é uma reacção alérgica, por todo o corpo, muito rápida e que implica sintomas como hipotensão arterial, taquicardia, desmaio e até inchaço na zona interna da garganta, com risco de asfixia), que pode levar à morte:

"Os adolescentes já andam com uma caneta através da qual recebem uma injecção de adrenalina. Se não tiverem a caneta, podem morrer. Mesmo com o cuidado de ler rótulos ou perguntar os ingredientes no restaurante, pode acontecer. Basta uma bolacha contaminada, às vezes há contaminação numa fábrica", explica o médico, contando o caso de um rapaz que se sentiu mal depois de ter cortado "um bocado de presunto" com a faca que a avó tinha usado no queijo. Nem é preciso ingerir o alimento a que se é alérgico para haver uma reacção de hipersensibilidade - basta o simples contacto ou inalação.

Também Mário Morais de Almeida confirma que, segundo dados nacionais, a alergia alimentar é a causa mais frequente de anafilaxia em idade pediátrica, "podendo os casos ser tão graves que podem levar à morte". O médico confirma que estas mortes "ocorrem em Portugal nomeadamente em jovens com alergia ao leite de vaca":

"Pense-se no que pode acontecer a um jovem com alergia grave ao leite de vaca que ingira um shot de bebida alcoólica o qual pode ser feito com licor de leite...". 

Uma quase epidemia As doenças alérgicas resultam de uma combinação de factores hereditários e ambientais. São, segundo Mário Morais de Almeida, "patologias multifactoriais". Têm uma "forte influência genética", mas as "variáveis ambientais" também contam.

Entre estas está, por exemplo, a "exposição a poluentes", como "o fumo do tabaco, factor de gravidade muito importante facilmente prevenível", defende Mário Morais de Almeida, frisando que as doenças alérgicas são "cada vez mais frequentes, atingindo as crianças de uma forma quase epidémica".

Segundo o especialista, o "estilo de vida associado ao desenvolvimento das populações, o sedentarismo, o facto de as crianças passarem mais tempo dentro dos edifícios e menos tempo a praticar exercício físico, o aumento da poluição atmosférica, o aumento do fumo do tabaco, as alterações dos regimes alimentares e a obesidade são alguns dos factores" que transformam as doenças alérgicas numa das "patologias deste século".

Quanto à teoria que defende que uma crescente higiene, bem como o uso de vacinas e de antibióticos, contribuem para o aumento das alergias, Libério Ribeiro diz que já há estudos segundo os quais as vacinas "não alteram em nada" a predisposição para estas doenças. Já no que toca aos antibióticos, pode haver alguma relação - há uma estimulação natural de certas células, pela infecção, que diminui, e, em Portugal, em média, no primeiro ano de vida, as crianças tomam, pelo menos, duas vezes antibióticos. A higiene também é "uma hipótese, mas não é uma verdade universal".

27 de Dezembro de 2010

Fonte: Público