A serotonina, um dos principais mensageiros químicos que servem a comunicação neuronal, é habitualmente associada à regulação direta do humor e dos estados afetivos. Porém, um crescente conjunto de resultados sugere que uma das funções nucleares deste neurotransmissor é facilitar a nossa adaptação a alterações do mundo exterior – o que poderá, por sua vez, ter um impacto indireto sobre o humor.

Estudos anteriores mostraram que a flexibilidade de adaptação dos animais está de facto relacionada com a quantidade de serotonina disponível em determinadas áreas cerebrais. Se esta for reduzida, a adaptação torna-se mais difícil. Porém, ainda não se conhecem os mecanismos que permitem explicar este fenómeno.

Para começar a elucidá-los, neurocientistas do Centro Champalimaud analisaram, no ratinho, as variações da atividade dos neurónios que produzem serotonina (situados numa zona chamada núcleo da rafe) quando o mundo destes animais fica subitamente “de pernas para o ar”.

Mais precisamente, a equipa desenvolveu uma tarefa dita de “aprendizagem reversa” (reversal learning), um tipo de aprendizagem em que os animais começam por aprender certas regras para obter uma recompensa e, a seguir, vêem-se obrigados, após uma inversão das regras, a alterarem o seu comportamento de forma a poderem continuar a obter essa recompensa.

“Ensinámos os ratinhos a associar diferentes odores à existência ou não de uma recompensa” que iriam receber uns instantes mais tarde, diz Sara Matias, primeira autora de um artigo que será publicado esta terça-feira (21/03) na revista online de acesso livre eLife.

Quando de repente os odores eram trocados, os animais começavam por fazer muitos erros, antecipando uma recompensa quando ela já não existia e vice-versa. Contudo, acabavam por aprender as novas regras. “Demoram três a quatro dias a ficarem bons a desempenhar a tarefa ao contrário”, salienta Sara Matias.

Comportamentos inadequados

Numa primeira série de experiências, os autores bloquearam a atividade dos neurónios produtores de serotonina enquanto os ratinhos aprendiam a desempenhar as tarefas. Observaram então que, a seguir à inversão dos sinais odoríferos, os animais persistiam no mesmo comportamento apesar de a recompensa já não estar a ser disponibilizada. Por outras palavras, na ausência da atividade normal da serotonina, a flexibilidade comportamental destes animais tornava-se deficiente.

Numa segunda série de experiências, a equipa limitou-se a medir, ao longo da aprendizagem inicial e da aprendizagem reversa, a atividade natural dos neurónios produtores de serotonina. Para isso, utilizaram um “indicador do cálcio codificado geneticamente” – uma ferramenta que faz com que um tipo específico de células, neste caso os neurónios produtores de serotonina, brilhe quando é iluminado. E, para aceder a estes neurónios fluorescentes, situados nas profundezas do cérebro, implantaram uma minúscula fibra ótica.

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Resultado: ao fim de duas semanas de treino, no momento em que os ratinhos recebiam o estímulo odorífero – mas apenas quando o cheiro fazia prever que iam receber água – verificava-se um pico de ativação nos neurónios produtores de serotonina. Pelo contrário, “quando se tratava de um odor que não seria recompensado, não havia pico nenhum”, diz Sara Matias.

Efeito-surpresa

Depois de cada ratinho ter aprendido as regras do jogo, os cientistas quebraram abruptamente essas regras. Como? “Há um dia em que tudo começa como de costume, mas que, depois de 50 repetições da tarefa, inverto as correspondências cheiro/recompensa”, responde Sara Matias.

E aí, aconteceu algo que a equipa não tinha previsto: logo após a mudança de regras, surge um segundo pico de serotonina. Este aumento da actividade dos neurónios deve-se, segundo os autores, unicamente ao efeito-surpresa produzido pela “inversão” súbita do ambiente a que estão habituados – e não a qualquer previsão de desfecho. “Este pico só aparece quando o desfecho [a existência ou não de recompensa] é inesperado”, explica ainda Sara Matias, “independentemente do desfecho ser melhor ou pior do que o previsto”.

O pico mantém-se enquanto os animais ainda não estão familiarizados com a nova realidade, funcionando como um alerta para o facto de as circunstâncias serem agora diferentes. Vai diminuindo à medida que os ratinhos aprendem a lidar com a nova situação e desaparece quando a aprendizagem reversa está concluída.

Agora, os cientistas querem perceber melhor como funciona a serotonina para ajudar os animais a “desaprender” um comportamento anterior. Será que age travando simplesmente os comportamentos inadequados? Ou que serve de sinal de alerta, antecipando possíveis erros de comportamento quando as circunstâncias se alteram? Ou ainda, que o seu efeito se deve a uma combinação destes dois mecanismos?

O novo estudo também sugere uma possível explicação para os efeitos antidepressivos dos chamados inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS, dos quais o mais conhecido é o Prozac), que são medicamentos que inibem a normal eliminação da serotonina em circulação no cérebro.

“A maioria das pessoas ultrapassa a perda de um ente querido, mas para aqueles que não conseguem, talvez a serotonina, ao promover a flexibilidade comportamental, abra portas a uma maior adaptabilidade às mudanças”, diz Zach Mainen, que liderou o estudo.

A depressão pode ser vista como uma incapacidade de se adaptar a situações adversas, que deixa os doentes presos numa espiral comportamental descendente. O aumento de flexibilidade comportamental resultante de níveis sustentadamente elevados de serotonina poderá portanto ajudar estes doentes a alterar os seus comportamentos negativos.

“Nós pensamos que a serotonina não é a molécula da felicidade”, afirma Sara Matias, “mas sim a molécula da flexibilidade neural e comportamental. Ela fornece a oportunidade para a mudança, mas depois é preciso fazer qualquer coisa para que a mudança aconteça no sentido positivo. Talvez seja por isso que os ISRS funcionam muito melhor quando acompanhados de psicoterapias comportamentais do que sozinhos".