Como é que deve ser uma boa relação médico-doente?

A relação médico-doente deve ser o encontro entre dois sujeitos em que um é especialista em doenças e o outro na sua doença. Ambos têm modelos explicativos para as queixas. Da sua articulação nasce uma aliança terapêutica que permite decisões partilhadas quanto ao melhor tratamento.

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De que forma é que os médicos aprendem ou adquirem essas competências de socialização com os doentes que têm expectativas próprias?

Desejavelmente durante o ensino pré-graduado, mas não nos iludamos... Saímos das faculdades licenciados em Medicina e só depois nos tornamos médicos. Neste momento várias escolas médicas incluíram nos currículos disciplinas sobre a relação médico-doente. Para além das competências comunicacionais, importa não esquecer que o cuidar é tão importante como o curar, sobretudo em sociedades envelhecidas em que as doenças crónicas são cada vez mais frequentes, implicando acompanhamentos longos e verdadeiros cocktails de medicação que obrigam a um extremo bom senso no avaliar das possíveis reações adversas.

Importa não esquecer que o cuidar é tão importante como o curar

É importante haver empatia por parte do médico?

Seguramente, desde logo porque aumenta as hipóteses de adesão ao tratamento e de fidelização àquele clínico. Para mim são preocupantes os inquéritos em que os doentes afirmam não se importarem de mudar de médico assistente. Por outro lado, o simples facto de se sentir compreendido e respeitado é, em si mesmo, terapêutico. A velha máxima segundo a qual o médico se prescreve a si mesmo permanece válida.

De que forma é que a eficácia do tratamento pode variar conforme essa empatia? 

Os estudos sobre o efeito placebo debruçam-se exatamente sobre essa variável. A confiança depositada no médico é mais uma variável importante do tratamento.

A tecnologia só afastará o médico do doente se o clínico esquecer que a pedra de toque da medicina continua a ser a consulta
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A medicina personalizada é o futuro? Ou a tecnologia poderá ter o efeito preverso?

Espero bem que a medicina personalizada seja o presente. Afinal todos adoecemos de modos diversos, o bom médico não pode confiar em estratégias impessoais, não tratamos doenças teóricas, mas doentes de carne e osso, física e psicologicamente únicos. A tecnologia só afastará o médico do doente se o clínico esquecer que, apesar de todos os avanços aos níveis do diagnóstico, do tratamento e da recuperação, a pedra de toque da medicina continua a ser a consulta e a escuta de quem nos procura.

De que forma é funcionará essa medicina personalizada?

Será a aliança de dois saberes, adaptada àquela pessoa, tendo em conta a sua narrativa de vida e o contexto atual em que se encontra. Só assim poderemos dizer que nos debruçamos sobre a pessoa inteira e única. Só assim poderá obter-se a maior eficácia e o respeito escrupuloso da dignidade de quem nos procura.