A "margem sul", dita e repetidas vezes sublinhada na comunicação social e nas conversas do dia-a-dia, é termo que acabou por se banalizar. Duas palavras tornadas sinónimo de trânsito exausto a caminho de uma ponte. Há, contudo, mais vida na margem sul do que aquilo que transpira da superficialidade da expressão. Margem sul não é uma região. É aquela linha de rio por oposição à margem norte. Do outro lado do Tejo, crendo que nos posicionamos em Lisboa, há um território para lá da beira-rio, a Península de Setúbal. Terra rica em diversidade nos produtos, com bom peixe, boa carne, bons queijos, boa fruta, bons vegetais, bons vinhos, entre outros predicados alimentares. Um recurso que desde março de 2016 um cultor da cozinha cuidada, o chefe Luís Barradas, explora, e bem, no restaurante Tago´s, na Quinta do Tagus, no Monte da Caparica, uma estrutura do século XVIII, hoje convertida em unidade de alojamento local com nove quartos.

Situemo-nos, então, na margem sul, mais concretamente numa arriba que cai abruptamente sobre o Tejo. Do outro lado do rio, uma linha de costa que contrasta com o cenário pastoral desta margem. Lisboa e arredores espreguiçam-se com rebuliço de ponta a ponta do horizonte. Ali, a pouco mais de dois quilómetros, ergue-se o burburinho da metrópole. Deste lado, saboreando na esplanada o aroma fresco do bosque próximo de pinheiros mansos, preparamo-nos para circum-navegar o mundo gustativo: técnicas de cozinha francesas, inspiração nipónica, produto português. Uma trilogia que é grata ao chefe que nos serve de anfitrião à mesa. Luís Barradas há duas décadas que trata por tu a arte culinária. Em Londres, no conceituado Westminster College, Barradas aprendeu o reportório francês da alta cozinha. Seguiu-se a paixão pelo país do sol nascente e, ainda na capital inglesa, especializou-se em cozinha japonesa no restaurante Suntori. Contas feitas, são 18 anos de filiação no restrito clube de quem trata com respeito as técnicas e o produto da mesa nipónica.

Restaurante Tago´s: Na margem sul comemos Japão, França e Portugal

França, Japão, o vértice deste triângulo fica completo com uma inevitabilidade no percurso de Luís Barradas, “o respeito pelo produto e a procura dos ingredientes em fornecedores de qualidade nas proximidades”. Entra aqui o produto português (exceção feita ao arroz, da variedade japónica, importado de Itália). Neste ponto, o Tago´s ganha com a localização. Conta, a poucas dezenas de quilómetros com o peixe de um dos melhores mercados nacionais, o do Livramento, em Setúbal. Não é de estranhar, desta forma, que a ementa do Tago´s nos presenteie com o robalo, salmonete, carapau e fataça sadinos. Os vegetais, em parte, chegam da horta existente na quinta. Barradas exibe-a com orgulho. É o chefe que cuida das cebolas, batatas, cenouras, curgetes, aromáticos. Acompanha-nos até à beira do terreno: “agora temos muitas culturas em poisio. Com a primavera vamos semear mais cultivos. A ideia é criar autonomia a este nível”. No que respeita às carnes, uma vez mais, o fator confiança com um fornecedor das proximidades, um talho local que responde aos pedidos exigentes do chefe.

Na prática esta relação de confiança e de conhecimento do produto local, torna a ementa adaptável e, como sublinha Luís Barradas, “permite-nos responder a pedidos específicos de clientes”, mesmo quando estes são inusitados. “Um cliente estrangeiro ficou maravilhado com um prato singelo, que nunca tinha comido, uns croquetes com arroz de ervilhas. Quis repeti-lo mais tarde e nós produzimo-lo”. Um prato simples num contexto de ementa rico, diverso e mutável. “No Tago´s respeitamos a sazonalidade dos produtos. Por isso a carta, apesar de contar com alguns pratos residentes, sofre alterações em função da disponibilidade do ingrediente”.

Restaurante Tago´s: Na margem sul comemos Japão, França e Portugal

Uma carta que conta com diversos momentos de degustação: “Do Japão ao Tago´s”, de “Portugal ao Tago´s” (ambos a 60,00 euros por pessoa) e do “Tago´s ao Céu” – este último de sobremesas -  O comensal encontra, ainda, uma sugestão “À la carte” ou o “Menu executivo de almoço” (35,00 euros por pessoa). Uma viagem gastronómica que se completa com a “Exclusive Experience” (sob encomenda), “Forno a lenha” ou os “Grelhados na brasa”, com diferentes tipos de madeira. Já lá vamos.

À mesa chega-nos um Suimono de Vieira com caldo dashi, uma proposta leve, aromática, servido com algas do rio Sado. Segue-se um robalo queimado onde não falta o gengibre, o alho, as sementes de sésamo, o cebolinho. A acompanhar umas tiras delicadas de batata-doce de Aljezur. A estrela do prato é o peixe. O restante elenco de ingredientes não ofusca o robalo.

Ainda no mar, um peixe que é grato a um setubalense de gema como é o caso do articulista da presente peça, o salmonete. Por isso sabendo como é estreita a linha que separa a boa presença do salmonete à mesa, da catástrofe afligida à carne delicada. Neste caso, este Sashimi da Trafaria a Setúbal apresenta-nos um salmonete como se quer, o braseado não mata o sabor a mar. A acompanhar, o atum – dos Açores -, a fataça – um peixe imerecidamente pouco conhecido – o pregado, as vieiras e as ostras do estuário do Sado. Assinalável, também, o cuidado na cerâmica apresentada à mesa. “Ainda não está como pretendemos”, sublinha o chefe. “Já este 2017 iremos ter louça nova, fruto de uma parceria com um ceramista ceramista e designer industrial que estão a trabalhar nas Calda da Rainha”.

Restaurante Tago´s: Na margem sul comemos Japão, França e Portugal

Patenteando esta ligação Portugal/Japão tão do apreço de Luís Barradas, a sugestão seguinte recai sobre uns Niguiris da Trafaria a Setúbal, numa proposta que nos obriga a uma viagem gustativa sobre o prato: carapau com pimento assado; bacalhau com pó de azeitona, azeite, alho e salsa; atum picante com ovas de peixe voador.

Nem só de mar vive o Tago´s. Na carta quem procura sabores cárnicos vai encontrar algumas sugestivas opções com um extra, os grelhados na brasa ou no forno fazem-se em respeito pela escolha de uma boa madeira. “Não há carvão. Não tem qualidade”, como nos explica Luís Barradas. O cliente pode cruzar uma das seis madeiras utilizadas no restaurante, o sobro, azinho, cedro, eucalipto, figueira, castanheiro, com as carnes de vaca, porco preto, borrego, cabrito e frango. Há diversos cortes à escolha, entrecote¸tamahawk, costeletas, lagartos, plumas, entre outros. Sugestões que também podemos encontrar na especialidade do dia. Mas, atenção, não contemos em encontrar uma carta do dia tipificada. A máxima produto do dia é transversal a toda a ementa. Facilita, a este propósito encomendar antecipadamente. Uma massada de peixe, uma feijoada à transmontana, um polvo à lagareiro. Um bacalhau assado em forno de lenha. A cozinha do Tago´s está aberta às sugestões do cliente.

No caso vertente, depois de um irrepreensível Fondant de chá verde (aconchegante), acompanhado com uma bola de gelado do mesmo chá (a contrastar), Luís Barradas deixa o desafio: “há algum prato em particular que gostaria de ver cozinhado por mim?”. Saltam para a mesa as memórias familiares. “Há um petisco que a minha mãe confecionava como ninguém, uma sopa de massa com lingueirão”, digo. “Numa próxima visita vou prepará-la”, lança o chefe com um sorriso antecipando o desafio já superado.

Restaurante Tago´s:

Quinta de Tagus, Costas de Cão - Monte de Caparica, Almada.

Reservas: Tel.: 212 954 359; Email: reservas@tagos.pt ou do número

Restaurante Tago´s: Na margem sul comemos Japão, França e Portugal