Como distinguir os verdadeiros doces conventuais? Que histórias guardam as paredes do convento de Cardães? Porque é que os gelados da Ice Dreams parecem feitos na Argentina? E quais os caminhos seguidos pelo cacau até chegar à loja de Claudio Corallo? A empresa Lisboa Autêntica propõe um novo trajeto pelas ruas do Príncipe Real e Bairro Alto para revelar estas e outras histórias.

A Lisboa Autêntica escolheu bem o nome e revela a cidade genuína e as pessoas que a habitam. Num sábado de manhã, reuniu um grupo de curiosos e partiu do jardim de São Pedro de Alcântara, à descoberta de estórias de doces dentro da História de Lisboa. Carla Macedo, jornalista e guia poliglota, começa com uma surpresa dentro de uma caixinha de papel pardo: os sonhos de abóbora da Nilde, uma pastelaria da av. Morais Soares. Esta especialidade serve de introdução à doçaria árabe, originalmente “feita com mel e amêndoa”, numa época em que o açúcar ainda era uma raridade na Europa. Foram os árabes que introduziram na nossa doçaria “compotas e marmeladas, alfenins, massapão e arroz doce”, além dos diversos pontos de açúcar ainda hoje usados nas receitas, explica Carla.

Doce HistóriaA primeira paragem do percurso é logo ali na esquina, na Doce História, uma loja pequena em tamanho mas grande em sabores. Do licor de Singeverga aos rebuçados da Régua, dos pastéis de Tentúgal aos queijinhos de céu, dos beijinhos de freira ao pão de rala, os melhores doces conventuais de norte a sul do país marcam aqui presença. Sinónimo da “vida social das pessoas ricas nos conventos, das festas e das retribuições”, as receitas de doçaria primam pelo abuso de açúcar e ovos. “As claras eram usadas para engomar as toucas das freiras, as gemas eram aproveitadas nos doces”, adianta Sofia, por trás do balcão.

Convento dos CardaisSegunda paragem: Convento dos Cardaes, cuja história está publicada em livro pela Quetzal. Este convento é um caso único: está em funcionamento desde que foi fundado, em 1681; sobreviveu ao terramoto de 1755 e pode ser visitado de segunda a sábado, das 14h30 às 17h30 (e vale bem a pena esta visita, com entrada pela rua do Século, no Bairro Alto). Apesar de ter sido na sua origem um convento de carmelitas descalças, que faziam voto de silêncio e de pobreza, chegando a ser habitado por 80 freiras, hoje em dia ainda acolhe ainda um grupo de cinco religiosas, mas dominicanas. É também sede da Associação de Nª. Sra. Consoladora dos Aflitos, que dá abrigo a cerca de 40 mulheres portadoras de múltiplas deficiências. As bolachas, conservas, compotas e condimentos aqui feitos podem ser comprados durante todo o ano, mas é no Natal que as vendas disparam, com cerca de 5000 frascos produzidos aqui. Também já estão disponíveis em livro as receitas que, ao longo dos séculos, foram sendo trazidas para o convento pelas meninas e senhoras de boas famílias.

Terceira paragem: Claudio Corallo, na rua Cecílio Sousa, ao Príncipe Real. Outra loja em que o tamanho do balcão não chega paraClaudio Corallo as encomendas. Nem para os quilómetros já andados pela família Corallo, que atualmente explora duas fazendas em São Tomé (café) e Príncipe (cacau). Aqui não há chocolate branco nem de leite, mas dificilmente se encontra mais variedades de produtos à base de cacau. As experiências para aperfeiçoar os produtos são feitas há já três décadas e continuam a dar ao mundo pequenas maravilhas como as que Bettina Corallo nos dá a provar: incluindo o Sablé, um 80% cacau com cristais de açúcar, ou a nova gama de 70% ca cau com gengibre, aguardente ou laranja.

Quarta e última paragem: Ice Dreams, na rua da Escola Politécnica.

Ice DreamsPrimeiro, há uma breve introdução de Carla Macedo antes de entrar na geladaria. Antes de o mundo conhecer essa genial invenção chamada frigorífico, Lisboa refrescava-se com o gelo apanhado na Serra da Lousã, que era condensado, armazenado em profundidade e transportado por barcos Tejo abaixo, desde Vila Nova da Barquinha. Felizmente, hoje temos congeladores em todo o lado, o que permitiu a João Martinho concretizar um desejo antigo:  dar a Lisboa a experiência das geladarias artesanais de Buenos Aires, onde viveu alguns anos, apaixonado pelos sabores do dulce de leche e zabagloine. Devido à forte imigração italiana, a Argentina tem ótimas pizzas, pastas e, claro, gelados. “Herdaram a forma de servir o gelado com a espátula, que dá uma consistência mais agradável”, explica o mentor da Ice Dreams. Este espaço pretende funcionar mais como tertúlia para adultos que apreciam gelados e é menos virado para crianças que outras geladarias, mas não deixa de poder ser apreciado por toda a família. Os sabores originais como papaia com hortelã, ananás com manjericão, caramelo com sésamo ou canela com gengibre, entre outros, podem ser apreciados numa degustação de três taças. Que recomendamos, e com muito gosto.

 

Ana César Costa

Artigo corrigido a 23 de julho 2012