A Cristina vive um quotidiano rodeado de alimentos. Não tanto para os comer, mas antes para os fixar em imagem. Fotografa comida. Como enveredou por esta área da fotografia gastronómica?

É um percurso que começa em Portalegre, de onde sou natural. Ai tirei a licenciatura em design. Mais tarde fui para o Norte do país, para a cidade do Porto, onde trabalhei oito anos em webdesign. Não posso dizer que o `bichinho` da fotografia estivesse em mim, nem tão pouco há uma daquelas histórias românticas de uma antiga máquina fotográfica pertencente à família. Tal como muitas outras pessoas, gostava de fotografar e também gostava de comer fora.

Bem, temos ai alguns ingredientes base para se lançar nesta especialização. Curso em design, gosto por fotografar e por comer…

Sim. Depois, acaba por surgir a oportunidade de tirar um curso profissional de fotografia no Instituto Português de Fotografia no Porto. Na altura já sabia o que pretendia, ou seja, fotografar comida. Sempre que saia para comer, o que me despertava a atenção era a composição dos pratos, as fotografias dos mesmos, por exemplo, nos expositores nos centros comerciais. Quando fui tirar o curso de fotografia pouca gente enveredava pela área alimentar. Cheguei a ouvir comentários menos abonatórios. “Vais fotografar almôndegas?”. Na realidade vemo-las fotografadas [risos].

A pergunta que me faço sempre é: o que estou a vender? Isto independentemente de ser um chouriço ou um prato elaborado. É claro que tenho de ter em consideração aquilo que o cliente pede.

Depois do curso a Cristina acaba por lançar o seu primeiro livro. Pode partilhar connosco essa experiência?

No final do curso lancei, em parceria com o meu marido, o Luís Vaz, o livro Desculpas para Cozinhar. A obra, com 35 receitas, foi inteiramente concebida por nós, da fotografia, ao design, às receitas e copy. A ideia era dar a conhecer o meu trabalho. Ajudou o facto de o livro ter download gratuito, pois acabou por alcançar uma grande visibilidade. Por essa altura, frequentei um curso de empreendedorismo para mulheres. Assim nasce em 2010 o Vazio Studio, uma empresa dedicada à produção de fotografia de comida e food styling

Na altura a Cristina já tinha o seu estilo bem definido. Como o caracteriza?

Sou muito cuidadosa com a iluminação pois considero-a um elemento fundamental. Cultivo uma imagem muito limpa. Gosto de fotografias brancas, luminosas. O foque vai para o personagem principal. A pergunta que me faço sempre é: o que estou a vender? Isto independentemente de ser um chouriço ou um prato elaborado. É claro que tenho de ter em consideração aquilo que o cliente pede.

Cristina Vaz: A fotógrafa profissional que adora fazer “clique” aos alimentos

É uma atividade que obriga a muito trabalho de bastidores, certo?

Sim, claro. Há um processo de pesquisa. Estou muito atenta ao que se publica no estrangeiro. Quais são as tendências. Depois de cinco anos de atividades tenho um armazém considerável de louças, tábuas, talheres, panos, aquilo que possa imaginar. Divido o meu arquivo por cores. Estamos a falar de uma fotografia passível de muitos temas e abordagens. Por exemplo, muda o ambiente em função das estações do ano. Há que antever que tipo de luz vou utilizar, de que adereços me vou socorrer.

No fundo é também uma colecionadora de adereços?

Obriga-me a estar continuamente a pensar na recolha. Até porque estamos a falar de um trabalho evolutivo, com novos desafios. Entretanto também se coloca a questão das novas tendências. Ainda não consegui perceber como evoluem estas tendências. Há uns anos era moda fotografar sobre madeiras rústicas, agora começam a impor-se os mármores. Também vemos com frequência as mãos partilhando alimentos.

Uma pessoa pode fazer uma bela composição de um prato. Se a luz não estiver bem, por exemplo com sombras muito acentuadas, todo o trabalho de produção está perdido.

Tudo evolui muito rapidamente. Sente, por vezes, que o trabalho avança mais devagar do que estas tendências?

Dou-lhe um exemplo. As receitas que comecei por colocar na minha página atual, o Saliva, destinavam-se a um novo volume do Desculpas Para Cozinhar. Uma obra que acabou por não se concretizar. Com o passar do tempo, constatei que as fotografias já estavam um pouco desatualizadas. Curiosamente, neste momento, estão outra vez na moda.

Referiu há pouco a questão da luz. É uma obsessão?

É extremamente importante. Determina a qualidade final do trabalho. Uma pessoa pode fazer uma bela composição de um prato. Se a luz não estiver bem, por exemplo com sombras muito acentuadas, todo o trabalho de produção está perdido. Gosto de fazer a destrinça entre luz profissional, luz natural e luz amadora. A luz natural é um elemento que tem de ser bem trabalhado. A janela de oportunidade é muito pequena, normalmente por volta do meio-dia.

Cristina Vaz: A fotógrafa profissional que adora fazer “clique” aos alimentos

Toda esta conversa gira em torno dos alimentos, que evoluem, degradam-se, etc. É uma matéria-prima difícil de fotografar?

Em si não há ingredientes difíceis de fotografar. Estamos a falar da natureza e aquilo que ela nos oferece é belo. Até umas batatas podem ser muito fotogénicas [risos]. Julgo que o maior desafio está nos alimentos da comida previamente confecionada. Nem sempre o que se encontra na fotografia corresponde ao produto industrial. Temos de lhe dar uma feição mais caseira. É claro que enquanto profissional me socorro de estratégias. Por exemplo, crio ambientes em torno da comida. No caso da comida previamente confecionada há que explorar o conceito “cozinha de conforto”. Ou seja, criamos um contexto que vai potenciar um prato menos fotogénico.

Julgo que devia haver uma maior sensibilidade para se perceber que o acesso fácil à máquina fotográfica não faz do captador da imagem um fotógrafo profissional

Existe no nosso país uma sensibilidade apurada para estas questões da fotografia de comida?

Julgo que devia haver uma maior sensibilidade para se perceber que o acesso fácil à máquina fotográfica não faz do captador da imagem um fotógrafo profissional. Até dentro da própria fotografia, vamos encontrar ramos de especialização: moda, arquitetura, paisagem. Ou seja, não há o fotógrafo generalista, há profissionais que se especializam em determinadas áreas. É natural que o fotógrafo de arquitetura não capte a comida da mesma forma que o profissional que desenvolve o seu trabalho nessa área.

Quais são as grandes referências para o seu trabalho?

Acompanho o Pinterest onde faço uma pesquisa visual muito grande. Depois há algumas páginas na blogosfera que me cativam particularmente. Destaco o Tartelette, o Sprouted kitchen, o 101 Cookbooks , o I am a food blog e o My name is yeah.

Cristina Vaz: A fotógrafa profissional que adora fazer “clique” aos alimentos

É verdade que atravessou quase meio mundo para frequentar um curso de fotografia de comida?

[Risos]. Sim, houve uma altura da minha vida que senti a necessidade de conhecer pessoas novas nesta área. Acabei por frequentar um workshop na Califórnia, nos Estados Unidos. Isto porque me identificava com a abordagem feita à fotografia de alimentos. Foi uma loucura, fazer milhares de quilómetros. Mas foi enriquecedor, pois contactei com blogueres de diferentes proveniências.

Não podemos, nesta conversa, passar à margem da sua página na internet o Saliva. Fale-nos um pouco desta sua iniciativa.

Sou de uma geração que gosta de mudar, de aceitar novos desafios. O que quero com isto dizer é que chega uma altura em que satura a mesma linha na fotografia. Ao longo dos anos juntei milhares de fotografias no meu portfólio. Certo dia pensei: porque não publicá-las tendo como mote uma página na internet? Um sítio onde se fala daquilo que nos liga à mesa, a cozinha, os restaurantes os chefes. Nasceu o Saliva, com uma imagem muito cuidada e atento aos pormenores. Hoje contamos com uma equipa de colaboradores. Pessoas que têm a sua atividade profissional e que no tempo livre escrevem e publicam no Saliva.

Qual é o vosso elemento diferenciador?

Num universo saturado de informação sobre a cozinha e gastronomia fugimos das abordagens mais imediatas. Ou seja, falar daquilo que os outros falam. Vamos ao encontro dos restaurantes, dos chefes menos conhecidos, receitas diferentes. Não nos interessa tanto o chefe que ganha muitas estrelas Michelin. Procuramos, por exemplo, o chefe que faz uma boa cozinha.

Já percebemos que é meticulosa no seu trabalho. Vamos encontrar esse preciosismo no Saliva?

Sou muito crítica em relação a tudo o que é publicado. Posso voltar a um lugar se considerar que as fotos para publicação não estão à altura da qualidade que procuro no Saliva.

O que gostava de ver concretizado no futuro imediato?

Gostava muito de ver o Saliva como um projeto sustentável. Isto para me poder dedicar por inteiro a esta iniciativa.

Lançámos um desafio à Cristina. Entre os milhares de fotografias que já captou, selecionar algumas imagens e receitas de que goste particularmente. Aqui ficam. Basta clicar em cada uma das imagens para aceder ao conteúdo.

Chocolate com beterraba salteada

Chocolate com beterraba salteada

Filetes de polvo com molho de maracujá

Filetes de polvo com molho de maracujá

Ceviche de filetes de sardinha com espargos

Ceviche de filetes de sardinha com espargos

Salmão com ceviche de morangos

Salmão com ceviche de morangos

Panquecas de chocolate

panquecas de chocolate

 

Fotos: Cristina Vaz