Esta é a descrição de uma refeição com uma história às avessas. Ou seja, vamos partir da sobremesa para chegarmos aos principais e aos preâmbulos de mesa, com as entradas. Isto porque nos apetece inaugurar estas linhas sobre o recentemente reaberto restaurante Ânfora, do Hotel Nau – Palácio do Governador (um cinco estrelas), com uma sobremesa que é síntese da matéria que nos últimos meses tem ocupado os dias da jovem chefe de cozinha de 35 anos, Vera Silva.

Chocolate, em esfera recheada de mousse de framboesa
Chefe Vera Silva.

É com Vera que nos sentamos à mesa para percebermos que entorno tem, agora, a Carta do Ânfora. A chefe, de raízes familiares alentejanas, apresenta-nos um “Pastel de Nata Desconstruído”, como o define.  Tem lógica, o restaurante situa-se em Belém, território gustativo famoso pelos seus pastéis, e habita uma estrutura que faz história. O hotel ergue-se onde foi em tempos a Casa do Governador da Torre de Belém e, onde, os séculos pretéritos assistiram ao afã de uma salga romana e à exportação do preparado de peixe (o garum) para muitas latitudes e longitudes do Império.

Uma exportação feita, precisamente, em ânforas. Escusado será, partindo deste termo, explicar onde cunha o restaurante o nome. Voltemos ao interessante “Pastel de Nata Desconstruído”, onde Vera individualizou cada um dos sabores. O das natas, o folhado e até o `cheirinho`e um toque de café no glacê estaladiço que se desfaz com o tamborilar da colher. É nesta desconstrução que encontramos uma das bases da cozinha da nova chefe do Ânfora. Vera Silva é uma purista do sabor e dos ingredientes. Individualiza-os no prato, dispõe-os para os provarmos per si, ou para os combinarmos a nosso prazer. Isto sem perder o norte às raízes da cozinha portuguesa (embora com concessões a alguns sabores internacionais), à sazonalidade e à procura de ingredientes esquecidos ou em vias de o serem.

Restaurante Ânfora: Há histórias à mesa que nos sabem muito bem, esta é uma delas
Peixe-Galo, sobre um aveludado de “xerém” à Bulhão Pato.

“As minhas raízes alentejanas, próximas a Reguengos de Monsaraz, em Santa Marcos do Campo, pesaram na forma como olho para a cozinha”, sublinha Vera, recordando os avós e a cozinha rústica com os produtos que dava a região. Uma cozinha com as contingências que conhecemos aos comeres do território alentejano, parco nas diversidade, mas rico na inventiva.

Uma veia criativa bem evidente na Carta contida deste Ânfora, apresentando perto de 20 pratos entre as entradas, principais e sobremesas, todos com uma apresentação irrepreensível.

Sob o tecto abobadado da sala que acomoda 60 convivas (outros 30 no exterior) e onde pontua uma decoração inspirada nos séculos dos Descobrimentos, temos a oportunidade de percorrer uma carta que nos conta uma história.

Restaurante Ânfora: Há histórias à mesa que nos sabem muito bem, esta é uma delas
Coxa de Pato confit, texturas de batata-doce, legumes glaceados.

“Quis contar uma história com esta ementa e como todas as histórias, arrancamos com um ´Era uma Vez…`”, explica-nos Vera que no currículo académico traz um curso de Gestão e Produção de Cozinha, Gestão de F&B, e algumas especializações. Uma profissional que não deixa em mãos alheias os seus créditos com uma boa dose de assertividade, humildade quanto baste e uma enorme criatividade. Uma assinatura profissional já demonstrada anteriormente nas cozinhas do Sana Lisboa e do The Vintage (Lisboa).

Um “Era uma Vez…” que inclui quatro entradas, um Bisque com Garoupa, num creme aveludado (7,00 euros), umas Vieiras em Noisette com puré de couve-flor, e chips de Cupita (18,00 euros), um Crème Brûlleé de Foie Gras e as tostas de brioche de frutos secos (6,00 euros) e um Carabineiro, sobre migas de citrinos e coentros (19,00 euros).

No que toca aos principais, Vera deixa-nos um conselho “Peixe fresco come-o cedo…” em jeito de desafio expresso na carta. Pois que se quer esta proteína animal bem fresca e de preferência pouco ornada para lhe apurarmos essa mesma frescura. E temos isso mesmo à mesa. Provamos um Robalo com arroz carolino de Alcácer do sal, camarão e coentros (22,00 euros), ficando para visitas futuras o Bacalhau corado, puré de grão e legumes baby (20,00 euros), o Peixe-Galo, sobre um aveludado de “xerém” à bulhão pato (20,00 euros) ou uma Garoupa em caldeirada, puré de pastinaca, ruibarbo e legumes salteados (17,00 euros).

Restaurante Ânfora: Há histórias à mesa que nos sabem muito bem, esta é uma delas
De Belém e do Café, o pastel de nata vamos ter fé.

“Boa é a cozinha onde há carne…” e com este preâmbulo entramos nas propostas cárnicas do Ânfora com um sublinhado para a Coxa de Pato confit, onde não falta a batata-doce em puré e os legumes glaceados, ornados com uma das mais belas criações naturais, a couve-romanesco (17,00 euros). Ainda nas carnes, o Lombinho de Cordeiro, castanhas nas diferentes cozeduras, cogumelos selvagens (22,00 euros), o Lombo de Novilho, num tornedó, puré de batata rate trufado (22,00 euros) e as Bochechas de Bísaro em cuscos transmontanos do fumeiro (16,00 euros).

Uma carta que também se espraia para um trio de pratos vegetarianos: Linguinni, em cogumelos e espargos verdes num creme dos mesmos (13,00 euros), Tubérculos da época, num risoto cremoso  (13,00 euros). Bulgur, numa salada legumes assados (9,00 euros).

Está quase fechada a carta e a linha desta história ai contada. “Não havendo duas sem três, as sobremesas quem as fez?!”, escreve-se no capítulo doce das propostas apresentadas à mesa do Ânfora. Seis gulodices que incluem o já apresentado pastel de nata desconstruído, aqui chamado, De Belém e do Café,o pastel de nata vamos ter fé (6,00 euros), um delicado Chocolate, em esfera recheada de mousse de framboesa (9,00 euros), os sempre eternos pudim Abade de Priscos (5,00 euros) e a Pera Rocha, neste caso em caramelo e com um chá cremoso das cinco (5,00 euros)

A ter em muito boa consideração a carta de vinhos e entregue ao enólogo Manuel Moreira que lhe desenhou 300 entradas, com néctares de todas as regiões portuguesas e algumas referências internacionais.

Restaurante Ânfora

Hotel Nau – Palácio do Governador

Rua Bartolomeu Dias, 117 (Belém), Lisboa

Reservas: Tel: 212 467 800; E-mail: palaciodogovernador@nauhotels.com

Horário:  Das 12h30 às 15h00 e das 19h30 às 23h00